Nicole Tinôco

16/01/2018 12h59
Ontem lamentei o falecimento de Dolores O'Riordan, do mundialmente famoso grupo The Cranberries. A morte é uma coisa esquisita, meche comigo de uma forma tão peculiar que parece que ela encontra a minha tristeza onde ela estiver, por mais travestida e vestida de alegria que eu me encontre. Da hora que tive notícia do falecimento de Dolores até agora apenas sentimentos de dor tomaram-me o peito. Provavelmente muitos de vocês nem saibam de quem eu estou falando mas basta uma rápida pesquisa no Google e ao escrever “Linger”, “Zombie” ou “Just my imagination”, que certamente uma destas canções soará familiar.  Digo mais, ainda que não as reconheça sou capaz de apostar que independente de suas preferências musicais, agradará aos seus ouvidos. 
 
Não é difícil se render aos encantos da melodia doce, forte, potente e carregada de emoção vinda da voz da Irlandesa que nos deixou aos 46 anos. Sobre esta perda não se tem muitos detalhes o que se sabe é que ela foi encontrada em Londres localidade onde os Cranberries participariam de uma gravação. Outro fato pouco divulgado é a enfermidade que ela carregava, pouco antes do Natal a cantora divulgou em suas redes sociais uma mensagem curta que dizia: "Olá a todos, sou Dolores. Me sinto bem!". Não conheço de perto as dores de Dolores, nem tampouco pressuponho aqui ser esta a causa de sua morte, sei que amigos próximos relataram que ela estava extremamente deprimida e sei também que ela sofria de transtorno Bipolar e é sobre isso que quero tratar com vocês agora. 
 
“- Este daí é de lua, tem dias que fala, outros nem mesmo um oi, só pode ser Bipolar”
 
 “- Não consigo conviver com ela, todo dia muda de opinião. É bipolar, certeza!”
 
Criei acima rápidos diálogos, reproduzindo a utilização desta que virou uma expressão comum para demonstrar variações de humor, instabilidades ou até mesmo mudanças de opiniões, mas é importante entendermos a gravidade de uma doença cada dia mais corriqueira entre nós. Pesquisas recentes da Fundação Fiocruz indicam que algumas cidades brasileiras têm incidência de taxas acima de 50% no que se refere a problemas de saúde mental. É preciso que tais números sejam discutidos e levados em consideração no sentido de definição, planejamento e construção de políticas públicas voltadas a saúde mental, essa é uma pauta tão importante quanto os rumos políticos partidários do nosso “enfermo” país.  
 
Os casos são mais comuns e frequentes do que eu e você podemos imaginar. Falar sobre isso não é apenas necessário, é muitas vezes libertador a quem sofre desses males. Particularmente, já expus aqui e nas redes sociais algumas de minhas dores, outras pessoas com maior notoriedade e propriedade do que eu fizeram o mesmo. São histórias de sofrimento também, mas muitas deles são casos de superação que devem ser compartilhados para que sirvam de exemplo e apoio aos que a eles a eles se assemelhem.  
 
O site Brasil Post ano passado trouxe 24 casos de famosos brasileiros que se dispuseram a expor ter passado ou estarem enfrentando doenças e transtornos mentais, casos como o do Jornalista Ricardo Boechat que afirmou ter sentido a necessidade de se afastar do trabalho em virtude da depressão, mas disse ter feito isto de forma clara e transparente por entender que a clandestinidade no tratamento dificulta a recuperação e que é importante aceitá-la e combatê-la e para tanto fez questão de manter relação com os ouvintes, trazendo publicidade ao seus depoimentos mesmo durante o processo de tratamento. 
 
A atriz Cássia Kis, é outro exemplo que também faz questão de tratar sua trajetória de enfretamento a dor de forma compartilhada. Em diversas oportunidade ela não apenas se assume como “Bipolar” como também traz detalhes do que é enfrentar esta doença tão pouco compreendida pela sociedade: “Ser bipolar é perder o controle. Você perde a paciência num nível mais agudo com os filhos, por exemplo. Quando vê está sacudindo a criança, falando mais alto. Vira meio bicho, sabe? É uma coisa que amedronta as pessoas. Aí volta e quer se desculpar, mandar flores, pede perdão, chora. Repeti isso muitas vezes. Um medicamento e acompanhamento evitam que isso aconteça.”. Relatou. 
 
É importante deixar claro que todos nós temos nossos altos e baixos, mais essa variação natural não pode ser confundida com o transtorno bipolar no qual a oscilação se dá de uma forma muito mais grave e intensa. Se trata de uma doença que pode prejudicar o trabalho, desempenho escolar e intelectual, relacionamentos interpessoais e até mesmo a vida diária de quem dela é portador. Sem tratamento tende a piorar e como toda doença, seja ela mental ou não, reconhecer o problema é o primeiro passo. 
 
Transtorno Bipolar, doença mental grave que se configura por alterações de humor de forma extrema, os ditos episódios de mania e depressão, a última é mais facilmente compreendida por ter sido bastante debatida, entretanto, no que se refere a mania, esta se trata de um estado de humor exaltado no qual a pessoa se sente independente do que acontece ao seu redor. De forma bem simplista é a intensidade, e a duração maior das oscilações de humor que diferenciam uma pessoa saudável de uma bipolar.
 
Minha intenção ao tratar desta temática não é exaurir o tema, diagnosticar pessoas, explicar sua incidência ou auxiliar na determinação dos sintomas afim de determinar quem é ou não portador deste transtorno. Não sou psiquiatra, psicólogo ou profissional a área de saúde, e apesar de buscar ler bastante a respeito a única coisa que posso afirmar de forma categórica é que não existe cura para esta que pode ser uma condição que dure uma vida inteira e, portanto, para que seja controlada se faz necessário um tratamento adequado e contínuo. 
 
Muitas pessoas que enfrentam transtorno bipolar passam a vida sendo negligenciadas, incompreendidas e até mal diagnosticadas resultando em sofrimentos em graus tão elevados quanto seus sintomas, meu propósito ao abordar de forma genérica e sucinta  esta temática, é o de que ainda que eu seja leiga no que se refere a formação acadêmica, pretendo incentivar o debate, trazer o assunto à tona para que entendamos a importância   de um o tratamento adequado no combate a esta e outras doenças da mente além de chamar atenção da necessidade do apoio em um primeiro momento do poder público, mas também da família, amigos e de todos que convivem com essas pessoas no sentido de proporcionar a quem deste mau sofre, na medida do possível, uma vida digna , equilibrada, como é de merecimento de todos. 
 
Termino retomando o princípio, vozes potentes como as da incrível Dolores O'Riordan acabam por muitas vezes silenciadas por dores e angústias infindas, desejo que elas ecoem por muito tempo não somente em nossa “Imagination” como dizia a canção. É preciso cuidado, carinho, zelo ainda em vida. Mantenhamos a fé em dias melhores e lúcidos, mas também cultivemos e busquemos o tão estimado equilíbrio as nossas mentes e corações. 
 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).