Wellington Duarte

16/04/2019 11h48
QUEM TEM MEDO DA “IDEOLOGIA”?
 
Tornou lugar comum defender que as discussões políticas não tenham “conteúdo ideológico” e sejam “apartidárias”, ou seja, aparentemente as pessoas querem um debate “neutro” e destituído de paixões. E quando usam o termo “ideologia” é para falar em bizarrices como “ideologia de gênero”, um termo que não significa absolutamente nada.
 
Esse discurso floresceu particularmente entre os grupos de direita mais extremada, pois identificam “ideologia” e “partidos” como sendo um instrumento das esquerdas. Aliás, quem já não ouviu falar que “esse negócio de ideologia não existe mais” e que partido político “é tudo a mesma coisa”? Mesmo no meio dos professores universitários encontramos facilmente esse discurso “desapaixonado” e preciso “racionalidade” para evitar os “excessos”.
 
As últimas pesquisas fornecem algumas pistas de para onde podemos estar indo. Os militares possuem o maior nível de confiança da população (66%). O Senado (17%), a Câmara (11%) e os partidos (7%) são as instituições de menor prestígio.
 
Lembrando que os militares são absolutamente DOUTRINADOS e tem uma visão estreita de mundo, limitado pela caserna, embora muitos militares não sigam essa regra. 
Metade da população acredita que os governos Lula e Dilma, período em que se registrou um grande crescimento da economia, com inclusão social e investimentos portentosos na Educação, é o responsável pela crise e Sérgio Moro, esse canalha que foi instrumento das elites para destruir a indústria nacional, junto com seus comparsas da Lava a Jato é tido, pela maioria (59%) como o político mais popular do país.
 
A “desideologização” da política, algo absolutamente estéril, joga o conceito de ideologia no lixo. Conceito historicamente novo, forjado na Revolução Francesa, nos idos de 1796, sendo que a palavra “idéologie” foi cunhada pelo pensador Destutt de Tracy. Se nós ainda fôssemos capazes de LER e COMPREENDER textos, teríamos que ler Alfredo Bosi, quem em 2010 publicou, como organizador, ensaios de vários pensadores, sob o nome de “A Ideologia e contraideologia: temas e variações”, publicado pela Companhia das Letras. Se muitos que se consideram informado, lessem e compreendessem essa e muitas outras obras que versam sobre o assunto, não nos incomodariam mais com essas bobagens anticientíficas.
 
Tracy, publicou, em 1801, “Elementos da Ideologia”, que propunha a elaboração da gênese das ideias, tratando-as como fenômenos naturais que exprimiram a relação entre o corpo humano e o meio ambiente. Portanto um conceito que nasceu baseado na CIÊNCIA. Pouco mais de duzentos anos depois, regredimos a uma ideia anticientífica sobre a forma de como nós nos relacionamos com o mundo.
 
Se os beócios anticientíficos, que bradam pelo “fim das ideologias”, tivessem lido o positivista Auguste Comte, teriam visto que o conceito “ideologia” tem dois significados: o primeiro, que se remete ao conceito definido por Tracy, enfatizando as sensações; e o segundo, como o conjunto de ideias de uma época, tomando-se como “opinião geral”. Ou outro francês, Émile Durkheim, um dos três pilares do pensamento sociológico, junto com Karl Marx e Max Weber, que tratou do conceito no seu livro “As Regras do Método Sociológico”, que avança no sentido de ter uma visão em coloca a “ideologia” como todo o conhecimento da sociedade que não respeite os critérios objetividade, ressaltando o racionalismo para superar a “ideologia”, mas não a desconsiderando, mas colocando em outro patamar do conhecimento.
 
E o demoníaco Karl Marx, o Fantasma que assusta os ignorantes, elaborou um conceito de ideologia em que considera a complexidade das formações sociais, onde nos encontramos. Para ele, a “ideologia” é um conjunto de ideias, normas e regras, separado das condições materiais, ou seja, os ideólogos são elementos que estão “separados” da base material da sociedade e estão a serviço das classes sociais que dominam os meios de produção, passando para os demais sua concepção e visão de mundo, daí porque vemos os trabalhadores defenderem a “reforma” trabalhista e a nova previdência social, reproduzindo o ideário dos ideólogos liberais.
 
O peso da ideologia burguesa faz com que os trabalhadores percam sua identidade e tornem-se defensores dos seus algozes. Talvez essa posição de Marx o tenha transformado no principal inimigo a ser batido, já que ele revela o estratagema de dominação que são submetidos os trabalhadores e pode interferir no processo, sempre travado, da conscientização do que nós somos e do que queremos ser, num ambiente de luta de classes.
 
Portanto todo ser humano, vivendo em sociedade, é portador, mesmo que grite aos quatro ventos que não é, portador de um conteúdo ideológico, seja qual for ele. Ele pode renunciar ao termo, se considerar “sem ideologia”, mas ele é parte de um processo de relações de classe e não tem como fugir disso, a não ser que renuncie à sua humanidade.
 
Para os que insistem em dizer que “não ideologia” e que precisamos nos livrar “dela”, resta a maldição de serem prisioneiros da sua própria ignorância e estarem mais afeitos a serem dominados por esse monstro tão perturbador chamado “ideologia”.
 
 

 


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