José Antônio Aquino

15/05/2019 00h50
 
Armar a população é uma alternativa?
 
No último dia 08 de maio, o Governo Federal editou o decreto presidencial de número 9.785/19 que dispõe sobre a aquisição, cadastro, registro, posse, porte e comercialização tanto de arma de fogo quanto de munições, além de versar também sobre o seu sistema nacional.
 
Imediatamente o mesmo passou a ser objeto de discussão em todo o país. Em última instância, a ação do Presidente flexibiliza o porte, aumenta a quantidade de categorias profissionais que as podem conduzir, tais como: detentor de mandato eletivo em exercício de mandato, advogado, motoristas de empresas e transportadores autônomos de cargas, jornalistas que atuem em cobertura policial, residente em zona rural, conselheiro tutelar, funcionários de empresas de segurança privada e de transportes de valores, dentre outros.
 
O presente decreto em verdade é o segundo passo dado pelo executivo federal no tocante ao armamento da sociedade. Lembremos que o primeiro foi em 15 de janeiro deste ano quando o mesmo regulamentou a posse de armas, utilizando o mesmo expediente, sem passar pelo poder legislativo.
 
Vale ressaltar a diferença entre posse e porte de armamento de fogo. No primeiro caso, o cidadão após obter certificação de registro pode manter sob seu domínio, em casa ou trabalho, desde que seja o responsável legal por aquele ambiente. Todavia não é permitido o tráfego com o mesmo. Obviamente que tudo isso deve ser precedido por uma série de exigências, tais como ocupação lícita, residência fixa, capacidade técnica e aptidão psicológica do pretendente.
 
Já o porte permite o deslocamento, em todo o território federal, de cidadãos livremente conduzindo um artefato de alta letalidade.
 
E este passou a ser exatamente o cerne da presente discussão na sociedade brasileira. Essa é ou não uma boa medida a ser tomada, diante do caos em que nos encontramos na área de segurança pública?
 
Segundo o Instituto Sou da Paz, a permissão para a posse de arma de fogo, em verdade dribla a limitação imposta pelo Estatuto do desarmamento, uma vez que aquele permite, em seu artigo sexto, tão somente o trânsito de pessoas armadas desde que ocupantes de um restrito rol, tais como policiais federais, civis e militares, dentre outros, embora com considerável restrição. 
 
Por outro lado, uma das principais críticas é que, como a restrição ao porte de armas ocorreu via lei, o decreto presidencial a altera de forma equivocada, uma vez que há uma sobreposição do Poder Executivo a uma prerrogativa do parlamento nacional.
 
Como se não bastassem tais questões, a ação do Governo Federal amplia o tipo de calibre a que o cidadão possa ter acesso, de modo que, instrumentos que antes eram restritivos às forças policiais, principalmente em virtude de seu alto poder de letalidade, ficam disponíveis a qualquer pessoa que cumpra os requisitos predefinidos.
 
O certo é que, diante da complexa crise de insegurança pública enfrentada pela nossa sociedade a liberação do porte de aparelhos de alto poder mortal, que a priori pode parecer uma boa medida, em verdade traz consigo um possível complicador a mais, senão vejamos; o Brasil apresenta modernamente uma alta taxa de homicídios por cada cem mil habitantes, algo em torno de 24,7, dados de 2018, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 
 
Note-se que nosso país detém a impressionante marca de mais de sessenta mil mortes por ano, conforme o citado fórum. Nunca é demais lembrar que a taxa admitida pela Organização das Nações Unidas é algo em torno de 10 mortes matadas a cada 100.000 habitantes. Ou seja, estamos muito além do ideal.
 
Diante de tais dados, uma preocupação naturalmente paira sobre os estudiosos da violência; armar a população é uma alternativa sensata?
 
Neste ponto é crucial ressaltar que um artefato de fogo é um instrumento de ataque, jamais de defesa.
 
Ademais uma questão fundamental precisa ser discutida; enquanto as forças policiais brasileiras continuam com seus irrisórios índices de produtividade no combate aos diversos crimes cometidos contra o Estado e seus cidadãos, não seria hora dos governos e parlamentos, em seus diversos níveis de gestão, estarem buscando formas de otimizar a atuação de seus braços armados? Essas medidas não seriam tão mais eficazes que o armamento puro e simples do cidadão?
 
Ao que parece, a atitude do poder executivo federal, diante da complexidade que é redefinir o modelo de atuação policial brasileiro, em especial diante dos inúmeros interesses corporativistas envolvidos e que têm, há tempos, travado quaisquer buscas por efetivas modificações em suas estruturas que, como ocorrera em vários países do mundo inteiro, efetivamente redefiniram a realidade de atuação do estado diante do crime passa a agir da forma mais simplista possível em uma profunda demonstração de proselitismo político: Armar o seu cidadão, ofertando a ilusória impressão de que o mesmo estará seguro, simplesmente por estar portando um potente instrumento de ataque.

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