Ana Carolina Monte Procópio

15/07/2019 08h50
 
HOJE É DIA DE ROCK, BABY!
 
Para meu irmão, Ugo.
 
O dia 13 de julho é o Dia Mundial do Rock. E o dia teve trilha sonora especial. De rock, claro. No momento, enquanto escrevo, toca With or Without You, do U2. Música muito inspiradora, como costuma ser praticamente tudo dessa icônica banda. Há quase dois anos, tive o imenso prazer de assisiti-la no estádio do Morumbi, em São Paulo, em turnê comemorativa dos 30 anos do álbum Joshua Tree. Experiência realmente inesquecível, com o perdão da expressão tão clichê. E não poderia ter havido melhor parceiro nessa empreitada que a pessoa que me integrou ao rock: meu irmão. Chego lá. E a playlist segue com o U2, agora com I still haven’t found what I am looking for. 
 
Venho de uma família de muitos tios e primos, com muitos dos quais foram forjados vínculos especiais e permanentes. Mas muito cedo meus pais escolheram morar em Brasília, quando éramos, eu e meu irmão, ainda bem pequenos. E lá, por muitos anos, fomos apenas nós quatro. No apartamento, dividíamos o espaço com muitos livros e discos, acomodados em enormes estantes de madeira que dominavam o cenário doméstico. A vivência musical e literária começou cedo. 
 
Na ainda jovem e empoeirada capital nos criamos e recebemos seu imenso e diversificado patrimônio musical. Felizmente. Brasília é de uma pluralidade encantadora e surpreendente em todos os sentidos e na música não é diferente. Mesmo com essa multiface, no entanto, Brasília tornou-se predominantemente a capital do rock. Uma cidade ainda sem identidade própria foi o palco de um novo modo de pensar e de viver que se tornou sua característica. E foi desse tempo que veio esse gosto e prazer (Bohemian Rhapsody tocando agora – saudade do inesquecível Freddie Mercury).
 
Os primeiros anos de nossa adolescência em Brasília – falo de mim e do meu irmão (temos apenas um ano e um dia de diferença de idade) –, coincidiram com a emergência do rock nacional na segunda metade dos anos 80 e nos anos 90. E assistimos de perto ao nascimento e ou consolidação de bandas como Capital Inicial, Plebe Rude e, claro, Legião Urbana, a grande referência. A transição para a fase adulta, a preparação para o – então – vestibular, a fase universitária, todos esses momentos importantíssimos transcorreram em paralelo ao advento do rock na capital federal, em muitos shows acontecidos em seus amplos espaços abertos e gramados. E hoje certas músicas me transportam imediatamente para aqueles dias muito quentes ou então secos e frios típicos do clima de extremos que faz em Brasília. Esses anos tiveram trilha sonora, sim. 
 
Naqueles dias, eu era – e ainda sou – muito mais ligada em música popular brasileira, mas o rock era a grande presença na cena musical, principalmente na universidade e entre amigos. Era inevitável ouvir e absorver rock nos mais diversos ambientes, festas, rádios, todos os espaços. Nesse cenário, enquanto eu estava muito absorvida pela MPB, meu irmão apaixonou-se pelo rock e definitivamente o estabeleceu como seu estilo musical, o que permanece e já foi transmitido aos seus filhos. Começou com os Beatles. E não parou mais. Ugo, sempre ligado nesse universo, em tempos anteriores à Internet, claro, acompanhava a cena musical do rock de perto, sabia tudo o que estava acontecendo, assistia à MTV, comprava revistas – lembro especialmente da revista Bizz – e vinis (sim, era este o momento) e trazia novas bandas, novos personagens. Eu ia de carona nesses ventos, muito mais atenta a Oswaldo Montenegro (assunto para outro papo), também surgido na cena brasiliense, mas inevitavelmente em contato com o rock.
 
O grande ícone desse cenário foi o grupo Legião Urbana, e em especial, certamente, Renato Russo. As músicas do Legião foram, mais do que todas as outras, as principais representantes daquela juventude, da nossa geração Coca-cola. No cenário dos primeiros anos da redemocratização política, onde ainda se fazia sentir um clima de repressão que não desapareceu de imediato, as letras eram carregadas de significado, protestos, sede de liberdade e de possibilidade de autoexpressão. Será, Índios, Andrea Doria, Monte Castelo, Eduardo e Mônica, Pais e Filhos, Faroeste Caboclo, Giz, entre outras músicas, realmente marcaram os jovens que viveram em Brasília no final dos anos 80 e nos anos 90 e, acredito, fora dali também, tamanha foi a presença do rock nacional na cultura brasileira.
 
Algumas cenas que a memória registra: o baterista do Legião Urbana, Marcelo Bonfá, morava na mesma superquadra em que nós morávamos e namorava Isabela Garcia, então famosa atriz global. Quando ela ia visitá-lo em Brasília, provocava aquele movimento dos adolescentes nos blocos (nome que se dá aos prédios das superquadras do Plano Piloto em Brasília, abertos e sem grades), todos querendo ver o casal famoso. Outra cena, esta mais tensa: o último show do Legião Urbana em Brasília, no antigo estádio Mané Garrincha, que foi interrompido com muita confusão e com a entrada em cena de policiais montados a cavalo. Foi um momento de muito medo, apreensão e correria; a última vez deles na cidade.
 
Com toda essa vivência e paixão, meu irmão, historiador e bacharel em Direito, terminou por escrever um livro sobre a história do rock, há poucos anos, contextualizando-o social e politicamente. Eu, que também virei fã, fiquei impressionada com a riqueza da história do ritmo que é bem mais que isso, que é um verdadeiro libelo e um modo de ser no mundo.  
 
A partir dessa compreensão, para mim, o estilo musical ficou muito mais pleno de sentido. De fato, o rock é mais que um capítulo da história da música; é certamente um capítulo da História, tamanhas são as interações entre um e outra. 
 
Aos que tiverem a paciência de chegar até aqui, sugiro que façam sua lista de músicas e que curtam tantas boas possibilidades que o rock oferece. A minha, começo com versos de Por Enquanto, do Legião Urbana, como não podia deixar de ser. Depois da visita ao passado, é nítida a sensação de voltar pra casa.
 
Mudaram as estações, nada mudou
mas eu sei que alguma coisa aconteceu
está tudo assim tão diferente
(...)
Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está
Nem desistir nem tentar
Agora tanto faz, estamos indo de volta pra casa

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).