Andrea Nogueira

29/06/2019 00h42
 
Tons canônicos sobre o estado civil 
 
Desde o ano 2008, quando o Brasil e a Santa Sé firmaram acordo internacional, o País Tropical passou a ter dois regimes matrimoniais diferentes: o civil e o canônico. Dentre vários outros reflexos deste ajuste, destaca-se que o Estado Brasileiro passou a reconhecer a liberdade religiosa de forma mais ampla, consolidando em um único instrumento jurídico, os diversos aspectos envolvidos na relação junto à Sé Apostólica. Noutras palavras, o governo brasileiro passou a reconhecer a competência dos Tribunais Eclesiásticos em matéria matrimonial chegando ao ponto de dar efeito civil às sentenças de nulidade emanadas por estes.
 
Nulidade matrimonial na Igreja? Isso existe?
 
Existe sim. Quando um matrimônio não cumpre os requisitos de validade exigidos pela Igreja, observado o Código Canônico, ele pode ser declarado nulo. As razões invocadas variam, mas nos últimos anos houve um aumento contínuo dos pedidos de nulidade do enlace religioso, perante os Tribunais Eclesiásticos.
 
No que pese esta possibilidade, muitos acham que, fracassado o casamento, nasce imediatamente o direito de pedir a referida nulidade pelas mesmas razões que se pede o divórcio no civil. Mas o caminho, os fundamentos, e as possibilidades são muito diferentes, porquanto o casamento religioso em referência está ligado a uma entidade soberana independente: a Santa Sé (ou Sé Apostólica).
 
Enquanto o divórcio muda o estado civil da pessoa para divorciado(a), a nulidade matrimonial religiosa pode devolver o status SOLTEIRO(A). Por isso é bom saber da possibilidade de excluir definitivamente o ex-cônjuge de um documento cartorial.
 
Declarar a nulidade de um matrimônio religioso significa reconhecer que, no momento dos votos, nem todos os requisitos para esse pronunciamento estavam cumpridos, ou seja, o enlace nunca existiu de verdade. Com a declaração da nulidade, as pessoas podem voltar a casar como se fosse a primeira vez.
 
O acordo celebrado com a Santa Sé previu, em seu artigo 12, parágrafo primeiro, que as sentenças eclesiásticas de matrimônio podem ser homologadas como sentenças estrangeiras. E o Superior Tribunal de Justiça Brasileiro já homologou decisão do Tribunal Eclesiástico de Roma, confirmando a anulatória de um casamento.
 
Destarte, o objetivo aqui não é adentrar numa matéria religiosa ou de fé. Porém, é preciso saber o quanto a religiosidade pode refletir sobre o estado civil da população brasileira, que é regida por Leis e Constituição própria. Além disso, o conhecimento de direitos é a base para a construção de qualquer processo de liberdade e independência. 
 
A violência doméstica e familiar pode ser invocada como razão fundamental de uma nulidade. Nesse caso, onde a maior parte das vítimas desta violência são mulheres, importa conhecer que existe a possibilidade de voltar a ser oficialmente solteira, principalmente se isto lhe ajudar na reconstrução da sua dignidade como pessoa. O Rio Grande do Norte já tem Tribunal Eclesiástico desde o ano 2016.
Como afirmou o abolicionista Frederik Douglas: “o conhecimento torna um homem inadequado para ser escravo”. Assim, que possamos conhecer, mesmo que não queiramos fazer uso do que sabemos.
 

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