Daniel Costa

24/12/2019 19h45
 
A FALSA COMPRA DA SALVAÇÃO
 
 
A escritora e cineasta francesa Virgine Despendes, que já trabalhou como empregada doméstica, prostituta e jornalista freelancer de rock, escreveu um romance intitulado “A vida de Vernon Subutex”, que é um tiro no peito da sociedade atual.  A partir de sua experiência junto aos miseráveis, que sobrevivem nas grandes cidades, ela trata no seu livro da questão do desprezo suportado por eles, num mundo em que o individualismo desmedido faz com que as pessoas cuidem melhor dos seus bichos de estimação do que de alguém que esteja dormindo num canto de praça.
 
Esse egocentrismo, que envenena o espírito de quase todos nós hoje em dia, me fez lembrar das encenações que vejo em todas as festas natalinas. Senhoras e senhores das classes sociais privilegiadas formando  grupos de amigos para comprarem brinquedos e cestas básicas, a fim de distribuí-los nas comunidades carentes de suas cidades.
 
A turma passa o ano todo sem sequer um olhar de soslaio  para  as pessoas pobres, que muitas vezes necessitam de um auxílio mínimo, como um prato de feijão ou um comprimido de Amoxicilina. Aí quando chega o período do Natal, elas começam a preparar as festanças, com carreatas em suas Land Rovers e paradas em lugares antecipadamente escolhidos. Moradores, já  devidamente informados, ficam reunidos como índios em suas aldeias esperando a vinda dos europeus para o recebimento das dádivas. 
 
São acontecimentos extraordinários! Momentos marcantes para os senhores doadores, que se julgam salvadores de vidas e concedentes dos mais belos sonhos. 
 
E sendo essas ações trabalhosas e difíceis, praticadas no período em que se celebra o aniversário do nascimento do deus menino, guardam a certeza de que estão pagando parcelas elevadas do preço total para a garantia do acesso ao reino dos céus. Para a famosa salvação da alma.
 
Mas nesse momento, se perdem na demonstração da verdadeira intenção. Uns chegam a convocar a mídia para publicizar as entregas, com a divulgação das imagens dos momentos festivos, deixando claro que o maior interesse é se mostrarem à sociedade como exemplos de bondade e de preocupação com a pobreza, conscientes  de que a verdadeira intenção está longe da proteção aos necessitados. 
 
Quando não conseguem a cobertura da grande imprensa, o socorro vem com a exposição de dezenas de fotos nas redes sociais,  de modo que suas ações não passem sob o desconhecimento dos likes dos amigos.
 
Fazendo assim, tentam passar a perna nos ensinamentos do aniversariante, tornando-se falsa a tentativa de compra da salvação. E deixando claro que, nos dias de hoje, o que vale é a máxima do salve-se quem puder e o resto que se exploda, inclusive Deus.
 

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