Valério Mesquita

07/02/2020 00h53
 
RELEMBRANDO CORTEZ PEREIRA
 
 
Escrever sobre ele é relatar uma odisséia. A travessia do sofrimento político, os algozes, os coveiros do seu governo até a eutanásia dos seus sonhos. Recobro os instantes felizes que presenciei ao lado de um homem de cultura, de uma cordialidade que não encobria formas perversas de indignidade e traição.
 
Meu pai foi seu amigo dileto e colega na Assembleia Legislativa, no período das turbulências entre o PSD versus UDN. O velho Mesquita de pé, altivo e irreverente, apontava para a bancada udenista e disparava ironicamente: “Dessa bancada só quem presta é Cortez Pereira!”. A amizade dos dois se alimentava também nos encontros semanais em Macaíba para impressões sobre a política e o inverno, como dedicados proprietários rurais.
 
Quando Alfredo Mesquita faleceu em abril de 1969, Cortez – sobre quem o meu pai vaticinava que um dia seria governador do Rio Grande do Norte – foi escolhido no ano seguinte. Lamentei muito ele não ter sobrevivido para contemplar a face desse dia. No seu governo fui nomeado subchefe da Casa Civil, tendo ocupado, posteriormente, após uma reforma administrativa, a coordenação de Assistência aos Municípios do Rio Grande do Norte e a diretoria do Departamento de Serviço Social do Estado. Daí, me exonerei para ser candidato a prefeito de Macaíba. Eleito, Cortez Pereira levou a Telern para o município, comparecendo a duas posses: a minha e a de Dix-Huit Rosado em Mossoró. Inaugurou uma agência do Bandern em Macaíba, a Casa do Agricultor, eletrificação rural, escolas e a alegria de receber em minha casa o rei do baião Luiz Gonzaga. 
Em 1973, foi padrinho de batizado de minha filha Isabelle. Relembro, ainda, como seu auxiliar, os memoráveis discursos e palestras. Uma das inesquecíveis, foi a da Federação das Indústrias de São Paulo empolgando Amador Aguiar do Bradesco, Mário Amato, entre outros. Era a pregação do “desenvolvimento econômico” do Rio Grande do Norte, das suas riquezas e potencialidades nos porões do PIB da paulicéia desvairada.
 
Recordo a sua altivez ao enfrentar e resistir o autoritarismo do general Meira Matos, comandante da guarnição de Natal, que armou estocadas com o objetivo de tirá-lo do governo. 
 
Evoco Cortez Pereira como professor universitário, orador, polemista, deputado estadual, diretor do Banco do Nordeste, suplente do senador Dinarte Mariz que encantou o senado com os seus pronunciamentos em favor do Nordeste e do Rio Grande do Norte. Relembro o projeto camarão, do bicho-de-seda, do Boqueirão, do turismo (Centro de Turismo, bosque dos namorados, cidade da criança e a duplicação da entrada de Natal por Parnamirim). Relembro Cortez santificado pelo padecimento da dor, mas redivivo na lembrança e na admiração de tantos que conheceram a pureza dos seus sonhos. “Louvar o que está perdido torna querida a lembrança”. Shakespeare. Mas, outra injustiça clama alto: Cortez ainda não recebeu da classe política do Rio Grande do Norte o reconhecimento merecido do seu nome constar na frontaria de uma obra oficial importante do estado que amou e por ele foi imolado. 
 

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