Alfredo Neves

17/03/2020 10h04
 
A arte degenerada - O feitiço que virou contra o feiticeiro
 
 
Durante o Regime Nazista Alemão, mais fortemente a partir de 1933, com o fechamento da Escola Bauhaus, milhares de obras de arte foram confiscadas e outras tantas queimadas pelo ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels. Não só atos dantescos foram praticados contra os artistas plásticos e às suas obras, mas também com livros, esculturas, partituras, bem como perseguição a teatrólogos, curadores, fotógrafos, dramaturgos, escritores, poetas e tudo o que “violava” na concepção dos simpatizantes nazistas o sacralizado, o “não-banalizado”, “a arte perfeita”. Conceito este distorcido de que a arte contemplativa, admirada, “bela”, seria aquela tão perfeita quanto a etnia ideal que eles preconizavam. A forma doentia imaginada sobre o conceitual do correto tinha como objetivo descaracterizar a chamada arte moderna.
 
Diversas obras confiscadas serviram para a realização de uma exposição pelos nazistas intitulada “Exposição da Arte Degenerada”, organizada por Adolf Ziegler, presidente da Câmara de Artes Plásticas do reich.
 
 Para o totalitarista a ideia era mostrar ao público um espetáculo da arte indesejada, que nascia a partir dos movimentos modernistas e contemporâneos mundo afora, e que isto seria uma afronta aos preceitos sobre a criação artística e “fora dos padrões”. Imaginava-se que os convidados se sentiriam enojados diante dessa suposta prática moderna de criação “monstruosa”. No mesmo período Goebbels organiza em outra localidade o que ele chamaria como a verdadeira arte, a que deveria ser admirada e ovacionada pelos convidados. Porém, para o seu espanto, esta exposição paralela foi um fracasso. A Chamada Arte Degenerada foi lotada por admiradores atentos que se viam diante não do belo como conhecemos, mas do sublime e pictóricas telas de originalidade excepcional.
 
Certamente o feitiço virou contra o feiticeiro. O termo que antes fora tido como pejorativo passou a se contrapor ao ideal tanto de beleza quanto ao de raça defendido por Hitler e pelos seus capachos mais influentes do regime nazista. A Pintura e os seus movimentos Abstratos, Cubistas, Surrealistas, Concretos, Expressionistas, Fauvistas, Dadaístas, passaram a ter também a sua conotação de notável valor intelectual e artístico, não como uma outra arte superior, ou até mesmo substituta do que se conhecia, mas uma arte que se transformou ao longo da história da arte desde os tempos primitivos com as pinturas rupestres em cavernas, como uma arte moderna e vanguardista e com o seu espaço também assegurado pela própria demanda do tempo
 
Totalitaristas têm aversão às quebras de rupturas. Ver uma colagem de jornal, pedaços de madeira, de tecidos e materiais largados na natureza colados numa tela de Picasso, por exemplo, é de uma degeneração e desrespeito às artes concebidas como “verdadeiras”. Admirar um elefante com pernas de graveto, ou rostos distorcidos, relógios como ovos queimando em frigideiras como a arte de Salvador Dali já seria uma afronta cruel aos desmiolados nazistas e fascistinhas dos dias atuais. 
Não é preciso conhecer de arte, mas nomes como o de Paul Gauguin (1879-1940), Pablo Picasso (1881-1973), Lasar Segall (1891-1957),  Wassily Kandinsky (1866-1944), Piet Mondrian (1872-1944), Paul Klee (1879-1940), Salvador Dali (1904-1989), dentre outros, foram naquele dia através das suas artes, expostos para serem execrados pelos convidados da exposição, no entanto, o que se viu foi um festival de exaltação e honra a artistas plásticos e escultores tão maravilhosos da modernidade. 
 
Recentemente em Natal um grupo de pintores e alguns artistas, com viés “nacionalista”, criaram um tal de Movimento Canarinho. Segundo os idealizadores eles se encontram “aprisionados nos calabouços da ditadura cultural ideológica de esquerda”. Segundo o líder deste movimento, Tiago Vicente, a arte que eles fazem “eleva o homem, família, religiosidade, ligação do homem com a terra e patriotismo....” Pois bem, querem agora, reeditar esse pensamento retrógrado aqui na província, utilizando como pano de fundo uma guerra cultural ancorada numa pseudo-hegemonia da direita bolsonarista no Brasil. Ironicamente, o lançamento se deu na Galeria B-612. B-612 é o asteroide onde mora o Pequeno Príncipe, personagem do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, criado em 1943. Saint-Exupéry coloca em sua novela animais que dialogam com o Pequeno Príncipe o tempo todo.  É uma bela fábula. Se os criadores desse movimento bem pensassem teriam escolhido outra galeria para a realização desse movimento. Já estive por lá, e vi diversas obras que vão para o lado oposto ao pensamento desses senhores que querem elevar o homem, a família e a religiosidade. Foram para um local que tem a marca de um escritor que bem poderia ser considerado degenerado pelo nazismo e pela “família de bem” desse país de Machado de Assis e Rui Barbosa. Exupéry além de escritor era piloto, e como tal, durante a II Grande Guerra Mundial, voou com as Forças Francesas Livres ao lado dos aliados para lutar no Mediterrâneo contra os fascista e nazistas. Vejam que há alguma ideia desconexa como princípio norteador por parte desse movimento Canarinho. 
 
Acontece, inclusive, desde o dia 13 de março de 2020, na Capitania das Artes, localizada na Av. Câmara Cascudo, aqui em Natal, a Exposição de Artes Plásticas intitulada: Contra o Bom, o Belo e o Verdadeiro – A poesia e a Pintura Degeneradas de: Alfredo Neves, Aluísio Azevedo Júnior e João Andrade. Convido a todos e todas para darem uma passadinha por lá.
 
A Arte Degenerada tornou-se, então, um movimento mundial, aqui na capital do RN têm amigos que já pensaram em fundar outro movimento, o Movimento Urubu, para defender todas as artes e inclusive as ditas degeneradas pelos novos e equivocados pensadores da direita cômica brasileira e potiguar.
 
ARTE Degenerada. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: . Acesso em: 05 de Mar. 2020. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7

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