Théo Alves

14/06/2020 00h01
 
“Confesso: é Cansaço!”
 
 
Estamos todos cansados. Aliás, somos um país de pessoas cansadas. E sermos assim não é algo surgido com a quarentena ou mesmo uma novidade das últimas semanas, porque já há muito somos um povo que caminha cansado e tem fôlego tão curto quanto a memória. 
 
Há anos ouço as pessoas se queixarem: os velhos, os adultos, jovens, adolescentes e até crianças estamos sempre cansados demais porque queremos fazer todas as coisas ao mesmo tempo e esse tempo é agora. Queremos descansar, mas também queremos sair. Queremos trabalhar e nos divertir enquanto estudamos e conversamos com os amigos, assim como tentamos participar das reuniões de família ao mesmo tempo em que passamos encontros presenciais dedicando energia às redes sociais. 
 
Isso até parece uma música de O Terno, que descreve tão perfeitamente essa vida de correria em que nos metemos de um jeito aparentemente sem saída: “Eu quero tudo, eu/ Quero descansar, mas também quero sair/ Quero trabalhar, mas quero me divertir/ Quero me cobrar, mas saber não me ouvir” é o que Tim Bernardes canta em “Pegando Leve”. 
Assim como na canção da jovem banda paulista, somos também nós tomados de atividades, de obrigações, de interesses, de metas e necessidades desde a infância até a velhice, cobrados pelo mundo e sobretudo por nós mesmos nesta engrenagem absurda que nos esmaga enquanto a mantemos girando. 
 
É claro que neste momento da vida, da história e do mundo, esse cansaço se potencializa e ultrapassa todos os dias o que julgamos ser nosso limite. Para imaginar nosso funcionamento de maneira prática, é como se fôssemos um carro cujo motor foi feito para rodar confortavelmente a 80km/h, mas em que estamos sempre a mais de 100 e, eventualmente, cada vez mais frequentemente, a 110, depois 120 e até percebermos que o ponteiro do velocímetro está tremendo na casa dos 140km/h há muito mais tempo do que poderíamos imaginar ser possível.
 
O cansaço que nos assalta vem da correria do trabalho, da necessidade de ser produtivo, de atingir os objetivos que definimos, de ser mãe, pai, filha e filho; de estudar e se preparar para o futuro que é sempre uma ideia muito distante até a hora em que ela explode na nossa cara; são as graduações, as pós, os cursos de capacitação; o papel idealizado que pintaram para nós e nos quais acreditamos. E, três meses atrás, queríamos apenas estar em casa um pouco mais, dar um tempo nessa rotina de moer gente em que transformamos a vida.
 
A pandemia causada pelo Corona vírus e a necessidade de quarentena nos trancou em casa, nos obrigou a diminuirmos o ritmo como desejávamos, mas somos inquietos demais para aceitar a desaceleração. Agora somos explorados pelo home office, pela maior atenção que precisamos dedicar a nossos filhos, pela impossibilidade de sairmos de casa, seja para o supermercado, seja para encontrar os amigos no barzinho numa noite de sexta. Temos mais tempo. Não muito, mas temos mais tempo e isso nos cansa. Seguimos exaustos, mas agora também por outros motivos: um vírus nos ameaça a vida, nos distancia de quem amamos, jovens negros são mortos em casa por serem negros, a política e a economia do país nos ameaçam com tacos de beisebol e nossa democracia se vê constantemente sobre um fio muito fino.
 
Há sempre tanto a fazer e, principalmente, há sempre tanto que ainda não fizemos que a conta do cansaço nunca fecha: os boletos também não cansam porque viver é uma tragédia de pequenas proporções pelas quais temos de pagar todos os meses, no débito ou no crédito. Cansamos de fazer pão caseiro, de enumerar playlists que nunca ouvimos por completo, de tirar o pó dos livros que não damos conta de ler, do trabalho, de mais trabalho e ainda um pouco mais enquanto o filho chora na sala. Falta fôlego, sobra suor. E Álvaro de Campos/Fernando Pessoa estava certo: “Confesso: é Cansaço!”
 

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