Bia Crispim

21/08/2020 01h15
 
Pandemias
 
 
Durante muitos anos cultivo a amizade com a Professora Drª. em Ciências Sociais Anne Damásio. Caicoense, que na região do Trairí do estado do RN, desenvolve um lindo trabalho de humanização nas ciências médicas e paramédicas, trazendo os temas sociológicos e antropológicos para cursos muitas vezes tão técnicos.
 
Além das aulas, Anne criou naquele espaço das ciências da saúde (FACISA/UFRN – Santa Cruz) eventos carregados de sensibilidade e consciência política, fazendo seus alunos pensarem sobre a existência do outro, sobre as relações de construção afetivas e sociais entre as pessoas, entre os gêneros. Eventos como os SARAUS, realizados na pracinha da FACISA, com música, declamações, performances e luta...
 
Em época de pandemia e isolamento social tudo se reconfigurou. E os SARAUS não ficaram de fora, perderam a interação presencial tão fantástica que a pracinha da FACISA presenciava naqueles encontros (eu me debandava pra lá sempre que tinha tempo para participar), porém não perderam sua essência. Apresentando-se noutro formato, via lives no Instagram da professora, eis que nos últimos três meses, a cada quinze dias, nas noites de quarta-feira, os SARAUS renasceram.
 
E como já era figurinha repetida nos encontros presenciais, passei a aparecer também nos virtuais. E o mais maravilhoso de tudo é que a partir da introdução de um determinado tema sempre muito bem embasado, a professora costura seus pensamentos, reflexões e indignações com os textos de poesia, crônicas, contos, ensaios, manifestos, músicas de seus convidados.
 
No último encontro, PANDEMIAS foi o mote escolhido pela professora como provocação para a costura de nossos textos, de nossas falas. Sim, PANDEMIAS, porque não é somente o vírus que se espalhou para os quatro cantos do mundo. Estamos presenciando de forma crescente e assustadora a disseminação e o alastramento de outros “vírus” extremamente nocivos para o homem.
 
Vemos a propagação desenfreada de discursos de ódio que se manifestam das piores formas possíveis, desde o boicote à empresa que apresenta um pai trans em sua campanha do dia dos pais até o clamor de perseguição a uma menina de 10 anos que durante 4 fora abusada sexualmente e que, grávida, tendo por lei o direito de abortar, passou de vítima a vilã.
 
Vemos o aparecimento de grupos neonazistas em pequenas células mundo afora, e no Brasil, sobretudo no Sul do país, ostentando seu ódio por judeus, negros, nordestinos, gays, travestis, imigrantes... Vemos o aumento dos casos de feminicídio e violência doméstica no Brasil e no mundo. Vemos a intolerância racial estampar os noticiários com burgueses humilhando motoboys ou com policiais pisado no pescoço de uma mulher negra de aproximadamente 50 anos, asfixiando-a, no caso de George Floyd, nos Estados Unidos, asfixiando-o até à morte.
 
A professora estava certa quando nos convidou para discutir PANDEMIAS... Estamos enfrentando muitas. Enfrentamos, além do vírus esses outros males que nos assolam, as pandemias individuais como solidão, perda. (Quantas pessoas já forma vitimadas por esse vírus, por essas mazelas – corona, preconceito, ódio, violência, racismo – em 2020?!). Enfim... Tantas!
 
Mas como tudo tem dois lados, Também estamos tendo o prazer e a maravilha de presenciar a pandemia da solidariedade. (Nunca vi tantas pessoas querendo ajudar outras pessoas.) Vemos ações solidárias e de ajuda humanitária estendendo-se no mundo todo. Vemos vizinhos ajudando vizinhos, famílias ajudando famílias. Vemos professores se desdobrando para que seus alunos não fiquem sem aulas. E vemos SARAUS  nas quartas-feiras, propagando o discurso da empatia e do sentimento. Alimentando-nos de filosofia, poesia e reflexões que nos tornam melhores. 
 

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