Andreia Braz

22/08/2020 11h23
 
 
Os mistérios do amor
 
 
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
 
                        Carlos Drummond de Andrade
 
 
Estou cada vez mais convencida de que o amor é mesmo o que há de mais valioso nessa vida. Ao menos foi isso que pude observar em duas cenas da novela “Êta Mundo Bom”, cuja exibição já está me deixando um pouco nostálgica porque se aproxima do fim. Não sei o que farei sem a companhia de personagens tão cativantes que têm me acompanhado diariamente durante esse período de isolamento social, que aliás completa cinco meses em poucos dias. Sentirei falta do contato diário e do envolvimento emocional com os dilemas dos personagens que vivem na distante São Paulo da década de 1940. 
 
Vamos às cenas que me levaram a esta reflexão sobre o amor. Maria estava sendo seguida há alguns dias e seria vítima de um atentado. Um atropelamento fatal a impediria de interferir nos planos macabros de Sandra, a vilã, que por meio de um golpe tomou a fortuna da tia e a expulsou de sua própria casa. Maria, que era empregada da família, é noiva de Celso, irmão de Sandra. Uma confusão, né? Explico melhor essa trama. O plano  deu errado e Maria foi salva pelo noivo, que se atirou na frente do carro. Apesar do susto, algumas escoriações e uma perna quebrada, o “acidente” não teve graves consequências e fortaleceu ainda mais o amor de Celso e Maria, que devem se casar em breve. 
Dona Anastácia, a vítima do golpe, apesar de estar vivendo um momento desafiador, tem muito a comemorar. Quando ainda era rica apaixonou-se pelo professor Pancrácio. Os dois se conheceram na igreja, onde ela ia diariamente acender uma vela e rezar para que Nossa Senhora a ajudasse a encontrar o filho perdido. O professor buscava o silêncio do templo religioso, segundo ele um lugar ideal para refletor sobre as questões existenciais.
 
Por falta de oportunidade, Pancrácio ganha a vida encarnando personagens e pedindo dinheiro nas ruas. Segundo ele, essa é uma forma de ajudar as pessoas a exercerem sua generosidade. Antes, ele se negava a assumir um compromisso com a mãe de Candinho sob a justificativa de que ambos viviam em mundos diferentes e um homem não poderia casar se não tivesse condições de manter a esposa. Estamos falando de uma época em que à maioria das mulheres cabiam somente as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos, e aos homens o sustento da casa. Agora que ambos estão na mesma condição social, o professor não se sente constrangido em assumir o seu amor e viver ao lado de dona Anastácia.
 
Mas a vida não foi um mar de rosas para dona Anastácia. Nascida numa família tradicional, engravidou antes de casar e pagou um preço muito alto por isso. Abandonada pelo pai da criança, escondeu a gravidez da família, sempre usando roupas largas e ficando a maior parte do tempo no quarto, sob a alegação de problemas de saúde. A gestação só foi descoberta quando entrou em trabalho de parto. A jovem teve seu filho arrancado dos braços no dia em que ele nasceu e passou a vida inteira à procura de Candinho, que foi encontrado graças ao medalhão que a mãe prendera em suas roupas, na esperança de reencontrá-lo. Nesse aspecto, ela está feliz, apesar dos pesares. 
 
Desde que foi expulsa de sua mansão, a milionária passou a viver na casa do professor Pancrácio, junto à Maria, a filha e a irmã desta, seu filho Candinho e Pirulito, amigo-irmão deste. Assim, formaram uma nova família e, mesmo com poucos recursos, todos se ajudam como podem e seguem confiantes em um futuro melhor. Dona Anastácia ajuda com as crianças e faz a comida, Maria faz costuras, Candinho vende pipoca na praça e o professor Pancrácio dá aulas particulares a uma moça e... Bem, dona Anastácia ameaçou cancelar o casamento se ele continuasse a encarnar personagens femininos para pedir dinheiro nas ruas de São Paulo. Ele já se disfarçou de cigana, bailarina, Miss São Paulo, entre outras. Aliás, outro dia ele foi preso vestido de bailarina, depois de arrumar uma confusão no bar onde fora insultado por um dos clientes. Imaginem o vexame. E foi justamente dona Anastácia quem pagou a fiança para que seu amado pudesse ser solto. Depois que passaram a morar juntos, ela o flagrou de diva do cinema e rasgou todos os figurinos do artista. Ele havia saído às ruas por uma boa causa: pedir dinheiro para pagar o tratamento de Celso. Depois que tudo se acertou marcaram o casório.
 
Outro personagem que está feliz da vida é Candinho, que depois de muitas idas e vindas, em breve estará nos braços da sua amada Filomena, que espera um bebê. Apaixonados desde jovem, foram obrigados a se separar porque a mãe de Filó não aceitava o romance. Certamente porque Candinho era pobre. Encontrado na beira do rio, ele fora criado como empregado na fazenda e morava numa tapera, sendo obrigado a fazer todo o serviço pesado sem nada receber por isso. Por sorte, sempre recebeu o amor da tia Eponina e da empregada Manoela. Esta deu-lhe suas parcas economias quando ele foi expulso da fazenda (porque foi flagrado beijando Filó). Rumou para São Paulo na companhia do seu burro Policarpo com uma certeza no coração: encontrar sua mãe. 
 
Filó está na fazenda dos pais e depois que o filho nascer vai morar com Candinho na cidade. Por enquanto, ele segue vendendo pipoca na praça, conversando com Policarpo (que agora tem uma companheira, Rita Hayworth), um dos seus melhores amigos, e sonhando com o dia desse tão esperado reencontro com sua amada...
 
São muitas as dificuldades que esses casais enfrentaram/enfrentam para permanecerem juntos, mas, como diz Drummond, “Amor é o que se aprende no limite, / Depois de se arquivar toda a ciência / Herdada, ouvida. / amor começa tarde”.
 
Todas essas histórias de amor aquecem meu coração, tornam meus dias mais leves e me fazem acreditar que, “Além do amor, não há nada, / amar é o sumo da vida” (Drummond). Assim como o poeta mineiro, esses personagens talvez saibam que “Não há tempo consumido / nem tempo a economizar / O tempo é todo vestido / de amor e tempo de amar”.
 

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