Cefas Carvalho

26/08/2020 00h01
 
Um Deus que se escandaliza com divórcio e perdoa estupro e assassinato
 
 
'Fazer o quê? Separar não posso, porque ia escandalizar o nome de Deus'. Segundo a polícia do Rio de Janeiro, isso foi o que escreveu a pastora evangélica e também deputada federal Flordelis. Como já se sabe, ela está envolvida no assassinato do próprio marido, o pastor Anderson do Carmo, no ano passado, em crime que chocou o Rio e a comunidade evangélica.
 
Mas, a história é bem mais bizarra. Na segunda-feira,  nove pessoas, sendo seis filhos de Flordelis – um deles já estava preso – e uma neta dela, foram presos pela Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí.  Flordelis foi denunciada, não podendo ser presa por ter imunidade parlamentar como deputada, e aguardará  abertura de processo no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. A denúncia foi aceita na Justiça e ela é já ré no processo.
 
Entre as bizarrices que a história comporta, está o fato de que o ex-marido da deputada havia sido adotado por ela, e depois se relacionado com uma das filhas. Já se sabe que a trama familiar envolve sexo grupal e rituais, além de manipulações e chantagens. Enfim, um horror.
 
Mas, voltemos à frase que abre o texto: 'Fazer o quê? Separar não posso, porque ia escandalizar o nome de Deus'. Sim, sabemos que para os evangélicos (na verdade para os católicos, digamos, praticantes, também) o que Deus uniu o homem não pode separar, portanto, divórcio seria um pecado aos olhos do todo poderoso. E, claro, para uma pastora também pegaria mal na igreja e entre os fiéis e seria ruim para os negócios e para a política.
 
Partindo deste raciocínio - que ela se referia á opinião de Deus  -o que assombra é a alternativa que ela optou para além do divórcio: O assassinato.
 
Não seria perdoável, claro, mas, seríamos menos rigorosos se houvesse acontecido o sinistro em meio a uma briga, uma discussão inflamada, troca de ofensas e agressões de ambos os lados, enfim, um crime passional.
 
Nada disso. O assassinato do marido que era ex-filho e ex-genro foi premeditado, calculado, planejado e armado para parecer um latrocínio. Inclusive voltaram à tona as imagens de Flordelis aos prantos no sepultamento.
Pode-se dizer que crimes bárbaros acontecem aos montes e que já vimos histórias como essa na crônica policial. Sim, mas assassinato como opção menos ofensiva a Deus e ao Mundo do que um simples divórcio, não, não vemos com frequência.
 
O que nos leva a pensar sobre este tipo de pensamento de Flordelis e de parte considerável dos evangélicos, em especial àquele ramo chamado neopentecostal. Um pensamento que relê a Bíblia e o Código Penal com uma leitura muito particular (e deturpada). Onde, repito, assassinato é menos grave que divórcio. Que estupro é menos grave que um aborto necessário em uma criança de 10 anos que correria risco de morte com um parte. Ou alguém duvida que os religiosos que fizeram papelão na porta do Hospital são do tipo de Flordelis?
 
Um tipo de religiosos que parece ler mais o Antigo Testamento, com seus montes de estupros e mortes violentas, do que os Evangélios, onde temos um Jesus Cristo que prega o amor e que sentenciou: "Não julgueis para não serdes julgados". Gente que crê em um Deus que se escandaliza com divórcio e perdoa estupro e assassinato, como provoquei no título deste texto.
 
Não creio em Deus, mas, se ele existir, que me mantenha bem distante de gente como Flordelis e dos religiosos que chamaram a criança de assassina. Assim como Jesus, prefiro ficar entre os pecadores.
 
 

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