Wellington Duarte

29/08/2020 19h27
 
Pobreza: luz e trevas que saciam os que tem e reserva aos que não tem o purgatório
 
 
 
“Não acredite em nada que você ouve, e apenas metade no que você vê.”
                                                                                                   (Edgar Allan Poe)
 
Pense bem antes de chamar, nesses tempos, alguém de indolente, vagabundo ou de cuspir frases pútridas, como “se procurar emprego acha” ou “não trabalha porque não quer”. Você simplesmente não tem o direito de dizer isso. Se o fizer és um canalha, palavra que vem do latim ‘canalis’, que significa bando de cães e que na Roma Antiga referia-se pejorativamente aos miseráveis que perambulavam pelas ruas da cidade-sede do maior Império da Antiguidade.
 
Ser pobre, em qualquer época, é uma espécie de maldição e muitas vezes foi tratada como crime. Em 1601 a Rainha Elisabeth I promulgou a Lei dos Pobres, punindo severamente aqueles que estivessem desempregados, obrigando-os a se tornarem servos. Pobres foram, antes do capitalismo, tratados como os “abandonados por Deus” . Depois que o modo de produção capitalista se consolidou, lá pela segunda metade do século XIX, passaram a ser vistos de forma contraditória : ora um camada de pessoas ignorantes que não serviam para o trabalho e que, por conseguinte, seriam um entrave à sociedade; ora tratados como “reguladores” do mercado de trabalho, puxando o salário médio para baixo, pois, sempre disponíveis e desesperados, estavam dispostos a trabalhador por salário baixo.
 
A pandemia retomou a exposição da “maldição” de ser pobre. Epítetos como “menos aquinhoados”, “despossuídos” e “menos favorecidas” me causam repugnância e apontam para os que, por vergonha, hipocrisia ou safadeza, colocam essa parcela da sociedade como condenados a viver num purgatório iníquo, servindo, de tempos em tempos, de trampolim para os que desejam ser “seus representantes”. O Capital, pelo contrário, ama os pobres, pois são seus reguladores de lucros e massa fornecedora de mão-de-obra fácil.
 
Na PNAD contínua do segundo trimestre desse ano, pesquisa realizada pelo IBGE, o cenário é sombrio. No Rio Grande do Norte temos mais pessoas que não estão trabalhando do que pessoas trabalhando. Cerca de 53% dos norteriograndenses com mais de 14 anos estão sem emprego/desocupadas, ou seja, de cada 100 potiguares 47 estão trabalhando, salientando que desse contingente deve-se considerar os servidores públicos das três esferas.
 
Dos 3,5 milhões de potiguares, apenas 1,14 milhões estão trabalhando, ou seja, 2,36 milhões de potiguares não estão trabalhando. Temos 202 mil desesperados, procurando emprego e os “informais”, esse exército sem destino, encolheu 22% no segundo trimestre desse ano e não foi porque assinaram a carteira, mas porque simplesmente perderam as condições, inclusive, de obter renda via seu trabalho autônomo.
 
Não é apenas um cenário sombrio. Ele expressa, desde já um futuro preocupante para os cerca de 24% de jovens desse Estado, milhares deles entrando no mercado de trabalho, que está sendo transformado num “balcão de negócios da carne”, já que a os direitos trabalhistas foram para o espaço e há uma espécie de recuo no tempo, já que até o presidente, em recente vômito, afirmou que os tempos em que as crianças trabalhavam eram “bons tempos”. Não há o que comentar.
 
O quadro pode, e deve, se agravar com o anúncio da saída da Petrobrás do RN, sendo o sistema estatal substituído por um sistema de empresas privadas, pois a cadeia produtiva que, segundo dados do Sindipetro, gera 45 mil empregos indiretos, estará desorganizado em breve e uma adaptação ao novo sistema não apenas levará tempo, mas afetará os trabalhadores, e suas famílias, pois certamente o sistema a ser recomposto certamente não será uma continuidade do “modelo Petrobrás” e se baseará, unicamente na sobrevivência e crescimento das empresas.
 
E o pobre, esse secular, sujeito oculto, reaparece com toda a força, gerando pronunciamentos em sua defesa, principalmente dos responsáveis por sua manutenção; promessas vazias de que as “coisas vão melhorar”; além de missas e cultos, dominicais, que acusam o capeta pela condição de pobreza, sendo, portanto, a miséria e a pobreza, fruto de um ser místico/imaginário e não das condições estruturais erguidas à sua volta.
 
John Maynard Keynes, grande economista do século XX, admirador do New Deal norte-americano e defensor da intervenção do governo na economia, para salvar o capitalismo das crises, disse, em 1923, a frase que precisa ser devidamente entendida: “a longo prazo, todos estaremos mortos”. Se algum líder empresarial dessa taba tivesse lido Keynes ou Marx, que, apesar de antagonistas, mostram as facetas do modo de produção capitalista, estaria nesse momento pensando em como GERAR EMPREGOS para garantir o seu negócio.
 
A pobreza garante a riqueza do rico. A pobreza garante o salário baixo. A pobreza é uma necessidade para o Capital e uma maldição para a sociedade. Os fariseus que colocam a mão no ombro do pobre, mostrando solidariedade, levam na outra as algemas que o manterão eternamente pobre e disposto a servir ao Capital por migalhas, veja-se a suberização da juventude trabalhadora.
 
 

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