Wellington Duarte

05/09/2020 12h20
 
Reforma Administrativa : Governo apresenta à sociedade o fim do serviço público republicano e o nascimento de um estado sem serviço público 
 
 
As frases contra dos servidores públicos, taxados de privilegiados e jogados convenientemente contra os empregados da iniciativa privada, são comuns quando os governos pretendem retirar direitos, encolher o Estado e enfraquecer a administração pública. Isso vem desde a promulgação da Constituição de 1988, agravada pela entrada em vigor do Regime Jurídico Único (RJU), balizador das relações de trabalho entre o funcionalismo público das três esferas e os governantes, coisa bem republicana e que nunca foi aceito pela elite reacionária deste país e desta taba.
 
Primeiro deve-se dizer, em alto e bom som que NÃO HÁ EXCESSO DE SERVIDORES PÚBLICOS NESSE PAÍS. O TOTAL de servidores públicos (federais, estaduais e municipais) é de 11,4 milhões, que representa 5,4% da população, enquanto a média dos servidores públicos nos países que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), formada por 36 países, é de 17% (OECD, 2015). Se compararmos com grandes países de fora da Europa, veremos o Canadá (18,2%) e os EUA (15,3%), expoentes do capitalismo, com um percentual bem superior e mesmo o Japão, considerado fenômeno da eficiência, com 5,9%.
 
Em segundo lugar é bom que se entenda qual é, afinal, a composição do serviço público brasileiro. Dos 11,4 milhões de servidores públicos brasileiros, 57,0% milhões são servidores públicos municipais, espalhados pelos 5.570 municípios país afora; 32,7% milhões são servidores públicos dos estados da federação; e 10,5% são servidores públicos da União. Portanto a Reforma Administrativa, enviada pelo governo busca minar as bases do Estado brasileiro, destruindo sua coluna vertebral, o serviço público, atingindo principalmente os servidores públicos municipais e estaduais, mas enfraquecendo substancialmente o serviço público federal.
 
Como vem acontecendo desde 2016, miserável ano em que a democracia foi sequestrada por essa horda reacionária, as propostas de desmonte do Estado brasileiro, são feitas sem nenhuma discussão com a população, muito menos com quem será alvo dela, preferindo-se fazer uma intensa campanha de satanização dos servidores públicos, apoiando-se nos grandes meios de comunicação e dos seus papagaios locais, isso em meio a uma pandemia. Detalhe : a Reforma Administrativa, segundo o próprio governo, NÃO TERÁ IMPACTO FINANCEIRO NENHUM NAS CONTAS PÚBLICAS, pelo menos nos próximos anos.
 
Então, para que essa Reforma, nesse momento? Um dos próceres do encolhimento do Estado e furioso crítico do serviço público brasileiro, Raul Velloso, sempre convocado para espinafrar o serviço público, disse claramente que é uma reforma “sem pai, nem mãe”, desnecessária nesse momento. Para essa insuspeita figura, os dados fiscais mostram que os gastos dos servidores da ativa não o grande problema das contas públicas. Portanto, o objetivo não é o propalado equilíbrio das contas públicas. Aliás a questão do peso do funcionalismo público nas contas dos entes federados, vem sendo objeto, desde 2001, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
 
Para começar, a Reforma Administrativa não atinge a casta militar, protegida por Bolsonaro que assim recebe o apoio das forças armadas e policiais para destruir o país, empilhando mais de 8 mil militares no aparelho de Estado, nem o Judiciário e nem o Legislativo, visto que, são órgãos independentes. O governo mantém o bico calado sobre esses segmentos, demonstrando a indecência da tal “proposta de reforma” que quer reformar um pedaço do Estado. Alguém pode explicar isso? Que tal uma pista? O pesquisador do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), Bruno Carazza, não aceita o fato de o governo só tratar dos servidores do Executivo, visto que a proposta, em tese, é para o serviço público do Estado brasileiro.
 
Feito por pessoas inescrupulosas que, num país mais sério, seriam consideradas nocivas ao interesse público, mas que aqui são saudadas por terem a iniciativa de “limpar” o Estado, preparando o terreno para a efetiva absorção do interesse público pela iniciativa privada, a “reforma”, enfraquece a carreira do funcionalismo público, acabando, na prática, com a estabilidade, única garantia de que os servidores públicos não sejam “empregados do gestor de plantão”; cria uma tipificação bisonha do trabalho do servidor público; aprisiona as possibilidades de crescimento do servidor público dentro do serviço público; e condena o futuro servidor a trabalhar num ambiente inseguro e de baixa atratividade.
 
A proposta, de acordo com o próprio governo, é para acabar com um sistema “velho” e “ultrapassado”, que sequer foi inteiramente implantado, e a substituição por um sistema que tem como princípio o enfraquecimento do serviço público, abrindo caminho para a “terceirização irrestrita” das atividades públicas; deixando aberta a criação de empregos públicos controlados por governadores e prefeitos; e desmontando de vez o que foi pactuado em 1988. A proposta, portanto, não é estranha, pois alinha-se com os que sempre foram contra a tal “Constituição Cidadã”. Ela está morta.
 
Resta saber como será a reação dos 11,4 milhões de servidores públicos, uma parcela que, em grande medida, tem salvado as economias locais porque escaparam, até agora, da pandemia e, com seu consumo, tem preservado o pequeno comércio. As corporações mais fortes, localizadas no Judiciário podem ficar no camarote e só agir se forem “cutucadas” pelo parlamento. As demais corporações e sindicatos, principalmente os dos servidores públicos federais, preparam-se para batalhar por seus direitos e pelo futuro do serviço público no parlamento. E os sindicatos e federações ligadas aos servidores públicos estaduais e municipais? Como agirão.
 
A tática do governo, que repete as anteriores, de jogar os trabalhadores da iniciativa privada, hoje em completo desespero, contra os servidores públicos, tem tudo para ser um sucesso e o governo, que pouco se importa com as pessoas e quer a destruição do Estado brasileiro, afia a faca.
 

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