Andreia Braz

14/09/2020 07h41
 
Três senhoras
 
 
 
Fica decretado que todos os dias da semana, 
inclusive as terças-feiras mais cinzentas, 
têm direito a converter-se em manhãs de domingo. 
 
                                                            Thiago de Mello
 
 
Não fossem os amigos, muitos momentos de felicidade não seriam possíveis. Foi com essa sensação que me aventurei numa programação superdiferente num certo feriado do mês de novembro. Quando digo diferente, não estou dizendo tratar-se de algo atípico, mas de algo que não costumava fazer há muito tempo; talvez por comodidade, talvez por excesso de trabalho e/ou falta de planejamento em relação ao meu tempo livre. A convite de uma amiga (e melhor vizinha do mundo), passei um feriado superagradável na praia de Maracajaú, litoral norte do nosso estado, uma praia que eu tinha visitado nos tempos de ensino médio, nas aulas de campo do curso de turismo.
 
Em uma de nossas “conversas de muro”, Lindalva, a amiga de quem falei há pouco, contou-me que havia feito um passeio com uma agência de turismo no início do ano e que estava pensando em participar de uma nova excursão, desta vez para o litoral. Quando me perguntou se eu gostaria de participar dessa nova viagem, não pensei duas vezes e disse que a acompanharia nessa aventura litorânea. Afinal, fazia algum tempo que eu pensava em aderir a esse tipo de programação e aproveitar melhor alguns feriados e finais de semana. Nem poderia imaginar quantas alegrias e (re)descobertas vivenciaria naquele passeio...
 
De todas as ocorrências agradáveis do passeio, o encontro com um grupo de três senhoras foi certamente a maior alegria e o melhor presente que eu poderia ter recebido naquela terça-feira ensolarada e cheia de surpresas. Uma terça-feira em que levantei da cama morrendo de sono porque havia dormido pouquíssimo na noite anterior, mas nada que um bom café não resolvesse; às 5h já estava de pé e às 6h estava saindo de casa.
 
Bem, vou falar um pouco dessas três amigas, a quem apelidei de “irmãs cajazeiras”, uma alusão às personagens da novela “O Bem-Amado” (Dias Gomes), e tentar traduzir, se é que eu consigo, a alegria e o aprendizado daquele dia maravilhoso.
 
A primeira senhora com quem mantive contato foi Zélia, que me chamou a atenção de imediato, por demonstrar ser uma mulher de atitude, a julgar pelo seu jeito firme de falar. De cabelo curto e trajando um vestido de renda colorida, Zélia usava uns óculos de sol de design arrojado; os óculos eram azuis com detalhe vermelho (uma das minhas cores prediletas). Conversando com um casal que estava sentado na cadeira ao lado da minha, Zélia relatava algumas questões sobre relacionamento amoroso e coisas do gênero. Depois de escutar uma certa declaração, imediatamente comentei com Lindalva: “tá vendo, amiga, os dilemas do amor são os mesmos em todas as idades”. E de repente, estávamos nós duas participando da conversa também.
 
Após esse breve diálogo com Zélia e seus amigos, foi a vez de observar a segunda “irmã cajazeira”, Francisca. Minha admiração por ela surgiu ainda no início da viagem, quando subiu no ônibus e acomodou-se, elegantemente, em uma das poltronas da frente, acontecimento também comentado com minha companheira de viagem, que partilhou da mesma opinião que eu. Trajando uma roupa de praia branca com detalhes verdes (flores e pássaros), parecia estar muito à vontade com seu look. Tive a oportunidade de conversar com ela durante um passeio de buggy oferecido como atividade extra no evento. Sua alegria e descontração me causaram uma sensação muito agradável. Francisca é daquelas pessoas que têm uma espécie de magnetismo que atrai todos ao seu redor, com um sorriso constante e um jeito espontâneo de se expressar. 
 
A terceira “irmã cajazeira” é Rosa, uma mulher elegante de cabelos curtos impecavelmente arrumados. Eu a conheci pouco antes do passeio de buggy que fizemos juntas, ficamos no mesmo grupo (eu, ela e Francisca). Seu visual me chamou a atenção: ela usava um maiô laranja decotadíssimo e um vestido preto de renda. Ela foi supersimpática desde o início, ou seja, desde o momento em que recebíamos as orientações do guia sobre o tempo do passeio, os locais de parada etc. 
 
Rosa adora dançar! “Eu danço a noite inteira sem tirar o salto, acredita?”, diz ela, com muito orgulho, lembrando a admiração da filha quando vão juntas a alguma festa. E por falar em festa, a vida de Rosa é pra lá de agitada. Ela me contou que passa o dia inteiro ocupada, dividida entre as tarefas domésticas e suas atividades esportivas; faz aerodança, musculação e ginástica. Aliás, “a única atividade que enrijece a musculatura é a musculação”, diz com a segurança de quem entende do assunto. Mas não pense que Rosa é dessas mulheres que só fala em atividade física e dieta. Aliás, ela não é nem um pouco radical em relação à alimentação; mesmo seguindo uma rotina rigorosa de atividades físicas, adora comer. “Odeio fazer dieta”, enfatiza com um sorriso maroto. Para ela, “comer é sinônimo de felicidade”. Sua maior tentação são os doces, confessa. 
 
E como as três amigas se conheceram? Suponho que você deva estar curioso a respeito disso, meu caro leitor e minha cara leitora. Zélia e Rosa são cunhadas; Rosa conheceu Francisca na academia e Zélia conheceu Francisca no passeio.
 
Depois de um dia intenso de atividades, lazer e descontração, voltei para casa feliz e agradecida pela oportunidade de ter vivenciado momentos tão agradáveis. Como disse no início desta crônica, alguns momentos de felicidade não existiriam não fossem nossos amigos; por isso, agradeço à Lindalva o convite para o passeio, e à Zélia, Francisca e Rosa, pela oportunidade do diálogo e, especialmente, por tudo que aprendi com elas nas poucas horas em que estivemos juntas. Talvez elas não tenham dimensão do quanto me ensinaram durante aquele passeio. Voltei para casa decidida a iniciar uma atividade física, algo que já vinha planejando há algum tempo, e no mês seguinte comecei a fazer academia. O próximo passo será o tão sonhado curso de dança. É bem verdade que a matrícula na academia também foi motivada por Lindalva. 
 
Entrei em casa com a autoestima fortalecida, muito mais confiante em mim mesma e com o desejo (e a urgência) de viver mais e melhor. Confesso que estava um pouco insegura em relação ao meu corpo, por estar acima do peso, mas depois daquela conversa, é como se eu tivesse despertado para a urgência de mudar aquela situação, algo que somente eu mesma poderia fazer. Não posso mais continuar negligenciando minha saúde e os cuidados com o meu corpo, pensei. Sim, porque às vezes é muito mais cômodo encontrar uma justificativa qualquer, como falta de tempo, por exemplo, do que iniciar uma atividade física regular e buscar uma vida mais saudável. 
 
Essa experiência me fez lembrar uma crônica de Rubem Alves, intitulada “A criança na velhice”. Ele inicia o texto com a pergunta de um amigo “que está sofrendo a tristeza de ir ficando velho” e gostaria de saber “o que fazer para permanecer jovem” e “o que fazer para, na velhice, continuar a ter o desejo de viver”. Pergunta difícil para alguns, mas respondida com delicadeza e sabedoria por Rubem Alves, que tão bem fala sobre essa fase da vida em diversas crônicas. Ele diz que é possível continuar a ser jovem sendo velho, pois, “Embora nosso homem exterior se corrompa, o nosso homem interior se renova a cada dia”. Talvez seja esse o segredo de Zélia, Francisca e Rosa.
 
 

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