Andreia Braz

21/09/2020 08h34
 
Das pequenas gentilezas
 
Dia desses estava no cinema com uma amiga aguardando o filme começar quando fui abordada por uma moça simpática que nos ofereceu pipoca. Ela estava sentada numa fileira atrás da nossa, acompanhada por uma outra mulher, também muito simpática. Sorridente, e com um daqueles baldes enormes de pipoca na mão, ela disse: “Compramos uma pipoca muito grande e por isso estamos querendo dividi-la. Vocês aceitam?”. Minha amiga sabe que eu adoro pipoca e, olhando-me de um jeito engraçado, soltou uma gargalhada cúmplice, quando a moça terminou de falar. Não fiz cerimônia, e passei alguns minutos degustando a pipoca enquanto acompanhava os primeiros minutos do filme. Estava mesmo com vontade de comer pipoca, mas não havia comprado na entrada do cinema porque não estava com muita fome. “Que sorte a minha”, pensei enquanto saboreava a pipoca e assistia às primeiras cenas do filme.
 
Esse gesto me fez lembrar outras atitudes gentis de desconhecidos, pois já vivenciei algumas situações bastante inusitadas nesse sentido e sou muito grata por encontrar, sempre, pessoas dispostas a ajudar de forma gratuita, atitude que também procuro cultivar no meu dia a dia. Acho que a sensação de poder ajudar é a melhor recompensa para qualquer atitude dessa natureza. Nada se compara ao sorriso de alguém que é agraciado com um gesto de carinho. 
 
São inúmeras as histórias de pequenas gentilezas que compõem meu baú de afetos... Vou partilhar algumas na crônica de hoje: 
 
Certo dia estava um pouco atrasada para o trabalho, e me planejando para tomar um táxi, quando surge uma moça na parada do Circular da UFRN perguntando se alguém gostaria de acompanhá-la no táxi que a levaria até a universidade. Fez questão de frisar que pagaria a corrida. Eu me atrasaria ainda mais se fosse pegar um táxi por conta própria, pois teria de entrar no shopping ao lado para sacar dinheiro. Não me fiz de rogada e fui a primeira a dizer sim. Ao descer do táxi, perguntei seu nome e agradeci, mais uma vez, sua gentileza. Embora não lembre mais o seu nome, jamais esquecerei aquela sua atitude, e desejo que leia esta crônica algum dia. 
 
Ainda sobre caronas, tenho outra história recente, também envolvendo a UFRN. Estava sentada em frente à Reitoria, embaixo de uma árvore, junto a outras pessoas que também esperavam pelo Circular, quando de repente parou um carro e a motorista perguntou se estávamos indo para o Natal Shopping ou Via Direta. Respondi que não, mas que poderia ficar um pouco mais à frente. Eu e um rapaz entramos no carro. A distância até o meu local trabalho não era tão grande, mas enfrentar certos percursos a pé na hora do almoço não é algo muito estimulante. Por isso estava ali, aguardando o velho Circular. Ainda tinha tempo de sobra, por isso estava tranquila. Aline. Este é o nome da moça ruiva que nos deu carona. 
 
Sempre achei que essa deveria ser uma prática comum dentro da universidade, e fiquei bastante feliz quando, ainda na época de estudante, soube de um projeto do DCE intitulado “Carona Solidária”, do qual nunca mais ouvi falar. Achei a ideia fantástica e gostaria muito que ela se tornasse realidade. O sistema de caronas funcionaria da seguinte forma: os carros dos alunos seriam adesivados com o slogan do projeto e seus condutores ofereceriam carona a quem estivesse entrando ou saindo do campus. 
 
Voltando à lista das pequenas gentilezas, lembro com muito carinho de Sara, uma senhora muito amável que servia café na Pró-Reitoria de Extensão da UFRN, um dos setores da universidade onde fui bolsista e do qual guardo ótimas recordações. Eu sempre conversava muito com ela e jamais esqueço o dia em que me contou fatos importantes de sua história de vida, que foi marcada por algumas perdas e inúmeras dificuldades. Passei a admirá-la ainda mais quando soube de alguns fatos de sua vida (Sara perdeu a mãe quando tinha poucos meses de vida). Mas se tem uma coisa que ela aprendeu com a adversidade foi a ser uma pessoa solidária e atenta às dificuldades alheias. Não conto as vezes em que ela dividiu seu almoço comigo. Uma vez, quando tive bronquite, ela até comprou um remédio para mim, um gesto do qual jamais pude esquecer. Sempre me emociono ao lembrar dessa história. Eram tempos difíceis aqueles, mas nem por isso menos felizes. O dinheiro quase sempre contado para as despesas da faculdade... A solidariedade dos amigos...
 
E por falar em gente que faz café, não poderia esquecer do meu querido amigo Armando, que conheço desde os tempos em que fui bolsista da Editora da UFRN. Sempre simpático e prestativo, Armandinho é daquelas pessoas que transbordam afeto e gentileza. Que alegria é poder tomar o seu café e bater um papo com o “negão” (como ele se autointitula).  
 
Bem, acho que teria assunto suficiente para escrever um tratado sobre gentileza, mas deixarei algumas histórias para contar em uma outra crônica. Não quero me estender demais, tampouco aborrecê-lo, meu caro leitor. Quero mesmo é seguir a vida sempre assim, “sem medo das gentilezas do coração”, “semeando o amor à vida”, como nos ensina o mestre Gonzaguinha em sua canção-crônica “Gentileza”. 
 
 

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