Renisse Ordine

15/10/2020 00h14
 
A cidade mineira de Passa Quatro, localizada na Serra da Mantiqueira, é o exemplo vivo da luta pela sobrevivência de sua história que foi marcada pela Revolução de 32 e pela passagem de grandes personalidades brasileiras como o ex-presidente Juscelino Kubitscheck. Atualmente, Fábio Mota vem desenvolvendo um trabalho valioso ao coordenar a Casa da Cultura de Passa Quatro, pois, além de divulgar o município, traz a literatura como foco para feiras que ele promove. O que atrai para esse local repleto de histórias e com uma Maria Fumaça, turistas e amantes da arte nacional. 
 
Quem é Fábio Mota?
Sou um funcionário público municipal concursado na cidade de Passa Quatro, desde 2009. Trabalho na Biblioteca Pública Municipal Afonso Lopes de Almeida que fica na Casa da Cultura. Tenho atuado como agente cultural, procurando divulgar a arte e a cultura dos cidadãos dessa pequena cidade encrustada na Serra da Mantiqueira.
 
Sobre a literatura e a cultura, como e quando elas começaram a ser parte de sua vida?
Antes de trabalhar na prefeitura, trabalhei por 16 anos fora da cidade e sempre que tinha oportunidade ia visitar museus, exposições, cinemas, teatros e acho que aí começou a fazer parte de minha vida, mas foi aqui em Passa Quatro que meu interesse aumentou e fortaleceu com o contato direto com as pessoas que fazem cultura e trabalhando diretamente com leitores.
 
Você sempre foi leitor ou se tornou um leitor?
Eu me tornei um leitor. O que eu gostava mesmo era de ler jornais, lia até classificados (risos). A leitura de livros foi quando comecei a trabalhar na biblioteca, pois tive o contato direto com aquele mundo literário dentro do meu próprio trabalho. Esse atraso em conviver com os livros posso dizer que me faz muita falta, mas estou a tirar o atraso.
 
Quem te motiva e inspira na área literária?
Olha, eu gosto muito da parte histórica. Procuro sempre me aprofundar em literaturas que falam sobre a história, principalmente as relacionadas a cidade de Passa Quatro. E a grande inspiração que tenho se chama PEDRO MOSSRI (1924-2012), um escritor, prosador, poeta e historiador passaquatrense que deixou centenas de escritos sobre a cidade, desde prosas, contos, relatos e poesias.
 
Você vem desenvolvendo um valioso trabalho na vida cultural da cidade de Passa Quatro. Como tem sido esse trabalho e os desafios de promover a cultura?
Trabalhar com cultura não é nada fácil, mas quando se tem parceiros a cultura flui muito forte e aqui em Passa Quatro tenho verdadeiros amigos da cultura, voluntários culturais que me ajudam em todas as ações. Temos feito parcerias com o Museu Major Novaes de Cruzeiro através da Cláudia Ribeiro, a Editora CasaLua de Mariana Bastos, Casa do Escritor de Eldes Saullo entre muitos outros. O desafio é diário, pois a cultura não para e tento procurar novas ideias, promover eventos e garimpar jovens talentos pela cidade, mesmo que seja por redes sociais.
 
Como surgiu a Casa da Cultura de Passa Quatro?
A Casa de Cultura de Passa Quatro surgiu no início da década de 1980, quando a população local sentiu a falta de um espaço cultural. Foi então restaurado o antigo prédio do Fórum e criada a Casa da Cultura, mas suas atividades foram transferidas em 1999 para o atual prédio, prédio esse que é um dos mais bonitos exemplares da arquitetura eclética passaquatrense.
 
O edifício que hoje abriga a Casa da Cultura de Passa Quatro teve sua construção iniciada em 1920. Neste ano, o Sr. Romeu Hespanha ergueu o sobrado no centro da cidade, onde instalaria sua residência e os negócios da família. A fachada eclética foi copiada do cromo de uma “folhinha”.
 
O amplo terraço, as escadas laterais e as sacadas balaustradas foram exigências do proprietário que, em 1926, apenas seis anos após a idealização da construção, vendeu a propriedade para o Banco Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais. Em 1973, a prefeitura adquiriu o imóvel e lá manteve sua sede até 1997, quando foi iniciada a reforma que adaptou o prédio para receber a Casa da Cultura. Em 26 de março de 1999, foi então reinaugurado e entregue a população. Com a conclusão das obras, o tombamento municipal do edifício foi decretado, passando a ser o primeiro imóvel legalmente protegido de Passa Quatro. As atividades culturais desenvolvidas no espaço são exposição de artes, ensaios e apresentações teatrais, reuniões, lançamentos de livros, biblioteca, dentre outras.
 
A Casa da Cultura de Passa Quatro que está sob a sua coordenação tem promovido eventos culturais como lançamentos de livros. Como está sendo esse movimento? Há a procura por parte dos escritores de outras cidades ou ainda está focado mais em artistas e escritores locais.
Primeiramente, deixo claro que não sou coordenador da Casa da Cultura, eu apenas ocupo o espaço com ações culturais, o que deve ser o objetivo da casa. Em relação ao lançamento de livros, considero o movimento grande, levando em consideração que somos uma cidade de 16 mil habitantes, e população urbana em torno de 9 mil. Ano passado tivemos 5 livros lançados, média de 1 livro a cada 2,5 meses. A Casa da Cultura está aberta para todos, inclusive escritores de outras cidades, mas ultimamente teve apenas 1 livro de escritor de outra cidade lançado. Esse ano já tínhamos dois livros marcados para lançamento, mas com a pandemia, teve quer ser adiado. 
 
Você foi o idealizador da FLIP4 (Festa Literária de Passa Quatro), a primeira feira literária da cidade, como também da região do sul de Minas. Como foram os preparativos e as experiências de promover esse evento literário? E, também, como foi a repercussão desse evento pelas outras cidades da região e Vale do Paraíba?
A FLIP4 foi uma ideia que surgiu com a intuito de incentivar a leitura entre os moradores da cidade, mas como fazer? Aí entra os voluntários culturais... Através de contatos pelo WhatsApp/Facebook, chamei umas 30 pessoas para uma reunião onde iria propor essa ideia. Apareceram 8 pessoas...rsrsrs. Expus a ideia a eles, que abraçaram a causa na mesma hora. Marcamos várias reuniões, tivemos várias ideias, vários contatos e uma viagem a Cruzeiro no Museu Major Novaes para conhecer a coordenadora do museu, Cláudia Ribeiro, durante a FLIC (Feira Literária de Cruzeiro). Lá no museu ela me apresentou a Mariana Bastos da Editora CasaLua. Essas duas pessoas me ajudaram muito na realização da FLIP4, Cláudia e Mariana levaram várias mesas de debates e a Editora CasaLua esteve presente com seus livros. Não posso esquecer de citar os outros
colaboradores: Cláudia Motta, Ives Barreto, Débora Siqueira, Priscila Pereira, Alessandro Diniz, Vinicius Pereira, Maria Rita Mota, Tatau e Colégio São Miguel. Queríamos fazer na praça! Levar cultura para a praça! E foi decidido que seria na Praça dos Leões. Vou ser sincero, nós não esperávamos o sucesso que a Flip4 teve. Crianças, jovens, adultos, escritores, poetas, cantores, professores, organizadores, todos num só lugar, juntos e misturados... tivemos participações de escritores de Passa Quatro, Itanhandu, Itamonte, Caxambu, Vale do Paraíba e Rio de Janeiro. Fomos notícias nos jornais Notícias do Picú, ROL e Inter-Net Jornal, um belo texto do escritor Eduardo César Werneck da Academia de Letras e Artes de Cruzeiro, fotos de Júnia Botelho do Instituto Ruth Guimarães, Daniel Lima e Cláudia Motta. A FLIP4 foi um acontecimento cultural maravilhoso, cheio de energias positivas, muita luz, muitos voluntários e recheado de livros, conversas, poesias, músicas, artes e muito mais. Tenho certeza que a FLIP4 chegou para ficar. O esforço, a perseverança e a coletividade de uma comissão organizadora e parceiros que acreditaram em um sonho que virou realidade. A cultura invadiu a praça no dia 2 de novembro de 2019. O dia amanheceu lindo e durante todo o dia o sol iluminou as crianças, os jovens e adultos que foram renovar nossas esperanças que a CULTURA tem lugar nesse país. As palavras do amigo Eduardo César Werneck deixam claro o sucesso da FLIP-4... “acabou em seu tempo, mas não em nossos corações, porque deixou a todos aquela sensação de maravilhosa, do por que parou… parou por que… por que parou… parou por que…Ou seja, ano que vem tem mais!"
 
A cidade de Passa Quatro é dona de uma riquíssima história e patrimônios, tendo um dos maiores símbolos da Revolução de 32, que é o Túnel da Mantiqueira. Além da passagem de personalidades, como Juscelino K. e Carlos Drummond de Andrade nesse mesmo período. Ou seja, há muitos assuntos que os interessados pela cultura do país, se sentem interessados a explorar. Mas, e em relação aos munícipes, eles também cultivam e são guardiões de toda essa cultura? Ou o desinteresse também predomina na cidade?
Posso dizer que o desinteresse já foi maior, mas o Conselho de Patrimônio tem trabalhado junto aos professores para que haja uma educação patrimonial mais intensa em relação a história de nossa cidade, que é muito rica.
 
Recentemente, o setor cultural foi surpreendido pela afirmação de que o livro é produto de elite. Sendo você uma pessoa que trabalha diretamente na biblioteca e tem contato com leitores, qual é a sua opinião sobre esse argumento. 
Esse pensamento, com certeza, é coisa de gente que não lê. Os livros são para todos, são essenciais a todos. Se é um produto de elite, cabe ao governo facilitar mais a sua aquisição a cada brasileiro sendo pobre ou rico, pois é essencial para termos um país melhor, mais plural e cheio de leitores que saibam ler e discutir de igual para igual.
 
Temos muitos leitores em Passa Quatro? 
A Biblioteca Pública Municipal Afonso Lopes de Almeida tem mais de 7 mil leitores cadastrados, representando mais de 40% da população, acredito que seja um número muito bom para uma cidade de 16 mil habitantes. O principal objetivo da FLIP4 foi conquistar novos leitores e acredito que conquistamos vários através das doações de livros, contações de histórias e contato direto com escritores.
 
Com a pandemia quase todos os setores tiveram que dar uma pausa em suas programações. Como você tem lidado com essa parada forçada? 
A Casa da Cultura de Passa Quatro está fechada desde o mês de março e as ações tem sido de maneira virtual com nossos seguidores através do Instagram e Facebook com materiais sobre a história de nossa cidade, personalidades importantes, entre muitas outras ações. No começo do mês de setembro, através da parceria com Cláudia Ribeiro e Mariana Bastos, nos unimos para a realização de um evento literário online, no qual chamamos de Festa na Serra, por envolver cidades, que tem como cenário natural a Serra da Mantiqueira. E foi um sucesso! Participamos também um Sarau Virtual com participação de 11 instituições literárias promovendo a poesia através de vídeos de poetas da cidade e região nas redes sociais.
 
Quais são as suas inquietações em relação ao futuro da cultura?
Quem trabalha com cultura no Brasil vive hoje inseguro, caminhamos para uma situação que aponta para a censura, perseguição aos que são críticos e pensam diferente. Em um governo que é conhecido pelo não entusiasmo com políticas culturais, onde o ministério da cultura foi rebaixado a uma subsecretaria, o que podemos esperar? Esperar nada, mas podemos lutar ocupando espaços públicos promovendo eventos culturais com liberdade de expressão e sem preconceitos.
 
Para finalizar, o que mais te motiva em prosseguir nessa luta pelo conhecimento?
A maior motivação é sempre exaltar a história de nosso povo, suas conquistas e seus talentos, sempre digo que a Serra da Mantiqueira cercou a cidade de Passa Quatro e a presenteou com magníficos talentos artísticos. Somos ricos na parte cultural e sinto-me agradecido por participar e ajudar esse grupo e isso para mim é uma grande conquista. Conhecimento vamos adquirindo ao longo da jornada da vida e nunca podemos parar. Creio que sou mais um que acredita na democratização da cultura, na participação de todos para construirmos um mundo melhor.
 
 
 

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