Eliade Pimentel

15/10/2020 00h23
 
Manda um abraço para a sua comunidade
 
Certa vez fui a uma comunidade de quilombolas na cidade de Portalegre, na região serrana do Alto Oeste potiguar. Entre tantas surpresas e novidades para mim, a despedida foi a que mais mexeu comigo. Houve um lanche, feito para que os visitantes (comitiva de jornalistas) saboreassem e percebessem o quanto as raízes africanas estão no nosso dia a dia. Como eu sou muito curiosa quando o assunto é comida, achei logo de perguntar a uma senhora encostada num cantinho se ela sabia fazer uma daquelas iguarias (no caso, era um bolo de milho com especiarias). 
 
Entre tantas delícias, produzidas pelas mulheres prendadas da comunidade, eu fui perguntar exatamente à pessoa que havia feito o delicioso bolo de milho com rapadura, cravo e canela, o tal que preencheu meu paladar de memórias gustativas. Havia muita gente, o conversê era grande, ela me disse mais ou menos como fazer, sem dizer medidas exatas, e eu curti aquele momento mais por estar conversando com uma autêntica quilombola, uma pessoa que nasceu e se criou com as mesmas tradições ali resguardadas por séculos. 
 
Nos abraçamos e na despedida ela disse: “manda um abraço para a sua comunidade”. Eu saí aos prantos. Eu me emocionei com aquelas singelas palavras e me confortei naquele abraço gostoso, terno, sincero. Meus pensamentos viraram um redemoinho. “Manda um abraço para a sua comunidade”. As palavras dançavam em mim. Na época, eu morava no bairro do Tirol, mas não vivera ali minha vida. 
 
Eu morei no bairro do Alecrim, onde temos casa até hoje, mas não nasci ali. Da cidade onde nasci, vim aos seis anos. Das escolas em que estudei o primário, o ginásio e o ensino médio, eu não estabeleci laços pra sempre com praticamente ninguém. Conheço mil e uma pessoas, tenho amigos e amigas de todas as épocas, mas nada assim tão forte para dizer que nascemos e crescemos inseridas nas mesmas tradições.
 
Sendo que ao mesmo tempo, eu tenho espírito de comunidade. Seja nos lugares por onde passo, onde convivo, através das relações com a vizinhança no Alecrim ou no lugarejo chamado Pium, encravado entre as rodovias RN-063 e a RN-313, em que resido e tenho convívio há mais de 30 anos, seja em Baía Formosa, no litoral Sul do RN, e na praia do Sagi, daquele mesmo município. De lá, Volta Redonda (RJ), a minha comunidade é minha família, e no interior do RN, também tenho primos da família do meu pai, os quais pouco vejo, porém são minhas raízes. 
 
E desde aquele dia, a palavra comunidade tomou uma dimensão gigante em minha vida. Para aquela mulher, é o lugar e as pessoas que ela conhece desde que nasceu, sua base, seu tudo. Para mim, são todos esses lugares e pessoas as quais conheci durante toda a minha vida, em situações as mais diversas. E o que mais mexeu comigo foi que nós, que temos acessos aos meios digitais, temos comunidades de todas as espécies, com os propósitos os mais variados, que se interligam pelas redes sociais. 
Comunidade vem da palavra comum. Interesses comuns, vidas em comum, afazeres comuns, aprendizados em comum. E se eu tenho algo em comum com a outra pessoa, eu não sei ficar indiferente. Meu pensamento é pela comunidade. A começar pelos problemas. Em Pium, todo mundo reclama do transporte. Até que um dia eu fiz algumas denúncias ao Departamento de Estradas de Rodagem (DER), que é o órgão gestor do transporte público interestadual, e já tivemos resultados. Temos horários, tabelas divulgadas e perfil da empresa no Instagram. Melhorou e muito. 
 
Em Baía Formosa, teve algumas situações em que me envolvi, em prol da comunidade, e até hoje não me arrependo de me doar, de dar meu tempo para aquilo que eu acredito.  Por mais que eu queira ficar na minha, visto que eu tenho tanto a fazer, eu não consigo ficar de braços cruzados. Como por exemplo hoje: caminhando em direção à praia, pensava nas mil e uma demandas da minha comunidade, elencadas num grupo de watsapp para o qual fui convidada a integrar, justamente pelo meu envolvimento recorrente nas coisas do nosso povo. 
 
Como gosto de dizer, eu estava “viajando”, pensando em como contribuir nessa busca por uma solução definitiva para as terríveis queimadas que ocorrem com frequências nos quintais, quando me deparo com uma fumaça vindo de um matagal próximo. Foi ali que eu pensei mais uma vez: não tem jeito, ou a comunidade me envolve, ou eu me envolvo com a comunidade. E nos damos as mãos, os pés, os dedos, nos enlaçamos para que as prendas de uns e de outros se sobressaiam para o bem comum e para que os problemas sejam dissipados. Mas, não feito a fumaça das queimadas, que se dissipam e deixam mazelas. E sim, como o sol que dissipa a neblina e revela o horizonte. 
Vamos lá, receba o meu abraço, você que faz parte de minha comunidade de leitores. E me siga no @sersimplesesaudavel. 
 
 

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