Daniel Costa

02/11/2020 22h48
 
AS ELEIÇÕES NOS EUA SÃO DEMOCRÁTICAS?
 
Falta 1 dia para as eleições presidenciais dos Estados Unidos. Nas últimas pesquisas de intenção de voto, o democrata Joe Biden desponta à frente de Donald Trump, representante do partido republicano. A diferença é de aproximadamente 10%. Uma vantagem considerável, ao menos quando se vê a disputa sob a perspectiva das regras eleitorais adotadas aqui no Brasil.
 
O problema é que nos EUA as coisas funcionam de maneira diversa. Pelos lados de lá, não basta o candidato conquistar a maioria do voto popular, é preciso vencer no chamado colégio eleitoral formado por delegados estaduais. O número desses delegados é estabelecido de acordo com o tamanho da população dos Estados e da quantidade de seus representantes no Congresso. Já a escolha dos tais delegados acontece a partir de regras fixadas em cada Estado.
 
O negócio é mesmo meio intrincado. Mas, no final das contas, significa dizer que não adianta o candidato ter o maior número de votos populares e não receber a maioria dos votos dos eleitores colegiados. Para ser escolhido presidente, é imprescindível vencer no colégio eleitoral.
 
É por isso que, apesar de estar duas cabeças à frente do concorrente republicano, o democrata Joe Biden não canta vitória pra “seu ninguém”. Uma nuvem de incerteza embaça o horizonte. O que não é para menos, já que na última eleição Trump efetivamente perdeu no voto popular, mas levou no colégio eleitoral.
 
Mas por que todo esse bode para a escolha do presidente? Essa é uma pergunta válida, principalmente quando se tem em mente o funcionamento das eleições no Brasil. Aqui, ganha quem tem mais votos e ponto final. O presidente é eleito de forma direta pelo voto popular.
 
O nó górdio do sistema eleitoral norte-americano tem raízes antigas germinadas ainda durante a promulgação da constituição do país.  Os constituintes discutiram à beça o assunto e, no meio dos vários arranca-tocos, o sistema do colégio eleitoral foi a única saída encontrada para pacificar as divergências.
 
E por que eles se contentaram com essa solução? Segundo Robert Dahl, eles queriam, de todo jeito, tirar a escolha do presidente das mãos das maiorias populares e colocar a responsabilidade nos ombros de um corpo seleto de cidadãos sensatos, ilustres e virtuosos (como eles próprios, claro). Só que nas eleições de 1876, quando Samuel J. Tilden, o candidato dos democratas, no confronto com o republicano Rutherford, obteve 51% dos votos populares, e mesmo assim não conseguiu obter a vitória no colégio eleitoral, percebeu-se, de forma mais clara, por ser a segunda vez que isso acontecia, que esse lance de delegados era uma barca insegura, que apresentava um enorme buraco democrático.
 
Para resolver o imbróglio, tanto naquele tempo quanto agora, é necessária a modificação do texto constitucional. Algo que aparentemente não deveria ser muito complicado, até mesmo porque as pesquisas de opinião dizem que a população apoia o fim do colégio eleitoral.
 
Mas a verdade sem roupa é que o Senado não tem interesse em ver essa alteração ganhar contornos de realidade. O modelo atual possibilita aos parlamentares influir mais fortemente nos rumos das eleições. Não por outra razão, eles trataram de enterrar todas as emendas constitucionais que procuraram modificar ou acabar com as eleições pela via do colégio.
 
No fim das contas, tudo termina por formar um grande paradoxo: o país que se considera a maior democracia do mundo tem um sistema eleitoral antidemocrático.
 
 

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