Eliade Pimentel

26/11/2020 12h03
 
O amor me ensinou a eternizar as pessoas 
 
 
Perdi meu pai ainda muito nova. Muitas vezes, me pego pensando nele. Como seria ter convivido mais com aquele homem tão diferente de todos os que conheci até hoje? Guardo bem forte na minha memória como ele era, como se vestia de maneira personalizada, mandando fazer suas calças jeans com bolsos enormes. Seu Pimentel era versátil, sabia se virar de várias formas, profissionalmente falando. Quando eu me entendi por gente, ele já era aposentado, devido a um acidente, porém, dava um duro danado para sustentar a família toda. 
 
Ele amava ajudar as pessoas e tinha prazer em compartilhar suas ideias empreendedoras. Puxei isso de meu pai. Outra coisa que eu tenho bem forte dele era a simplicidade. Tudo estava bom. Não tinha frescuras. E uma boca boa, principalmente para comidas regionais. Foi em sua companhia que eu comi cuscuz com carne guisada bem cedinho, quase um almoço, numa viagem inusitada e quase surreal a Santa Cruz do Capibaribe, em Pernambuco. Aliás, foi sua boca boa para comida pesada e gordurosa que o matou, acometido pela diabetes. 
 
Era um bom homem, mas não tanto bom marido (eu não o julgo, apenas reproduzo a impressão que eu tinha, após ouvir tantas brigas e reclamações de minha mãe). E como pai, teve suas falhas, mas nada que nos traumatizasse. Era um visionário sonhador. Quando ele se foi, inclusive eu estava chateada por ter havido uma separação em que eu me senti abandonada, mas pouco depois eu sublimei e perdoei meu pai. Ele é eterno em minha memória. 
 
Seu jeito de ser se tornou inesquecível para mim. Serei sempre grata a ele por ter tido o discernimento de comprar a nossa casa no bairro do Alecrim e o terreno no Pium, e grata a minha mãe por ter mantido essas propriedades após sua morte. E por falar em D. Helena, ah, sua memória em mim hoje em dia se traduz num misto de admiração, saudade e compreensão. Sei que a vida para ela não foi fácil. Canceriana, guardava para si suas emoções, passei várias situações bem desagradáveis, mas tudo passou. 
 
Tanto meu pai, quanto minha mãe morreram de forma repentina. A doença os ceifou ligeiro. Sem muito sofrimento. Não resistiram aos procedimentos e partiram. O detalhe é que minha mãe encerrou o seu ciclo no dia do meu aniversário, em 2016. Mas, a data emblemática não me causou sofrimento maior do que a perda em si só representa. Logo após sua partida, remexendo em suas coisas, escolhi alguns objetos para mim e sua memória se traduz nessas lembranças, no meu jeito de ser e nos ensinamentos. 
 
E assim, tenho aprendido a sublimar as perdas da minha vida. Eu até agora nem citei o meu irmão, Eliabe, que era minha dupla. De tudo. Nomes parecidos, cabelos loiros e quase a mesma idade. Apenas dois anos de diferença e no mês de dezembro, sagitarianos, doidinhos, aventureiros. Quando alguém falece, realmente a gente sofre muito. É como se o sangue escorresse até restar apenas a cicatriz. Sendo que num momento de perda, não devemos dizer isso para as pessoas, pelo fato de que cada pessoa terá o seu tempo de luto. E assim, tenho aprendido que o amor eterniza as pessoas. 
 
Ano passado, perdi um grande amigo e aos poucos tenho libertado esse luto que me aprisiona. Ele era o jornalista mais incrível que eu conheci, o gigante Carlão de Souza. Morávamos próximos, e inevitavelmente eu o enxergo ainda nos mesmos locais de outrora. Tenho saudade dos nossos papos regados a cerveja e risadas. Ressinto-me por não tê-lo visitado em seus últimos dias, mas tenho trabalhado bastante esse sentimento. As lições que ele me deixou são fortes. São puras. São minhas. Lições de um jornalismo-raiz. Lições de Liberdade. Lições que jamais vou esquecer, tanto quanto seus abraços e seu sorriso. 
 
Outra perda recente ainda viva em meu coração e mente é do meu amigo Nonato Gurgel. A covid o levou. Ele também está se eternizando em mim. Seu jeito de encarar as coisas era tão parecido comigo, tanto quanto sua paixão adquirida pela praia de Baía Formosa. Foi para lá que levaram suas cinzas. Não foi meu professor em sala de aula, mas um grande professor para a vida. Quantas lições de ambos eu extraí para minha vida. Os dois amigos me completavam. Eles não encaretaram, não se tornaram sessentões pesados. Viveram intensamente até o final de suas existências. Com toda a doçura. 
 
Talvez essa seja a maior aula que me deram. De que amadurecer não significa endurecer. A ternura era a maior característica desses dois amigos, que para mim e para todos aquelas pessoas que o amavam se tornaram eternos. E assim, fui aprendendo aos poucos, levando essa bordoadas da vida, que as pessoas são eternas. No nosso dia a dia. Na mente. No coração. Para mim, hoje e sempre, amém. 
 

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