Daniel Costa

24/12/2020 13h37
 
FELICIDADES
 
 
Uma das coisas mais misteriosas da vida é que quase sempre só reconhecemos o sinal dos momentos felizes em retrospecto. Já se foi o tempo em que eu, meus pais e minhas irmãs saiamos à procura das luzes de Noel, no centro da cidade, ouvindo no rádio do Del Rey as canções natalinas, depois de ser massacrados por uma homilia na missa do campos da UFRN. Fazíamos um rápido tour antes de parar definitivamente na casa dos meus avós, em que tios e primos, todos bem engomadinhos, se encontravam postos à espera das congratulações de final de ano.
 
Da porta de entrada, já se sentia o cheiro da ceia feita por Carminha. Raimundo comia tapioca molhando-a numa xícara de café. Tia Célia se preparava para vestir a fantasia de Papai Noel. Eu e meus primos iniciávamos conluio com a intenção de sabotar, por meio de um arsenal de bolinhas de papel, a apresentação que as meninas estavam na iminência de encenar na área principal da casa. Tio Paulo gravava tudo numa fita k7. Vovó discutia o preço do leite com papai. Tio Beto sorria e dava os parabéns às garotas pela atuação no espetáculo. E mamãe soltava sua melhor gargalhada ao ver tia Verônica pular da cadeira, depois que uma barata havia se assanhado na gola da sua camiseta. 
 
Henrique e Zé, antes da hora marcada, para a inveja das outras crianças, recebiam de tio Flávio uma coleção do Playmobil, com índios e cowboys. No estalar da meia noite, todos se reuniam ao redor da árvore montada na sala de estar, enquanto tia Regina ajudava vovô na distribuição de bolas, bonecas e confeitos. Tio Marquinho segurava uma garrafa de champanhe como quem se agarra a um bote salva-vidas. E tio Marcelo calçava as alças do acordeom para, logo em seguida, castigar-nos com duas ou três músicas, sob o olhar ansioso de tia Cleide, que contava os minutos pra tirar o time de campo e ir se juntar aos seus consanguíneos num segundo evento festivo.
 
Os tempos hoje são outros. À noite, encontrarei meus pais. Talvez ligue para alguns primos e tios, provavelmente depois de travar monólogo com um Vat 69. Clarice, agora, toma banho na bacia e eu me divirto ao ouvi-la bater um papo cabeça com sua mais nova boneca. Luciana está numa dúvida existencial envolvendo o lugar em que irá colocar o presépio. Na rede, leio Banguê.  Uma árvore de Natal pisca sombreando alguns presentes, ao meu lado.
 
É o que se tem para este 24 de dezembro. 
 
 

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