Valério Mesquita

13/01/2021 11h31
 
DEUS AUSENTE 
 
O “Silêncio de Deus” é a obra do professor, advogado e pesquisador Francisco de Assis Câmara, que li recentemente. O tema traduz inquietante narrativa sobre a manifesta permissão de Deus para os desastres e holocaustos que vitimam, ao longo do tempo, milhões de seres humanos. E baliza o funesto aniquilamento da espécie desde as cruzadas, a inquisição, a barbárie das mortes por inanição e violência política, no continente africano, até o sacrifício de populações pelos continentes destacando, com ênfase, o extermínio dos judeus na Segunda Guerra Mundial. 
 
O trabalho de Assis, escrito ao mesmo tempo em verso e prosa revela, perfeita sintonia e domínio sobre a temática teológica, oferecendo original simultaneidade de estilos literários. Coisa rara nos dias de hoje. Preservou nessa dimensão mágica da linguagem a profunda frustração, o medo e ao mesmo tempo a esperança cristã que não perde a fé no reino de Deus. A retórica sobre as dúvidas, a fuga, o silêncio e a indiferença do Altíssimo ante as pavorosas catástrofes estão fincadas na pergunta do Vaticano: “Onde estava Deus naqueles dias?”.
 
Deus testemunhou a muitos profetas os seus desígnios, a sua justiça, através de atos e milagres. Jesus Cristo, no Novo Testamento, redimensiona o Espírito do Pai com nova roupagem de amor e de perdão. Enfim, a boa nova cristã. Mas, é no discurso do papa Bento XVI, durante a sua visita ao campo de concentração de Auschwitz-Bikenau, em 28 de maio de 2006, que se desenvolve toda a ansiedade do autor, na busca de “perscrutar o segredo de Deus” e por que foi tolerante ao permitir o triunfo do Maligno.
 
Em resumo, o sumo pontífice não poupou o seu silêncio quando procurou diferenciar a própria condição de líder espiritual com a de homem diante da angústia insuportável: “Quantas perguntas surgem neste lugar! Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar esse excesso de destruição, esse triunfo do Mal?” E citando o Salmo 44, o papa repetiu o versículo: “Desperta, Senhor por que dormes?” E corrigiu, mais adiante, a sua capacidade de se indignar, a exemplo de Jesus Cristo na cruz quando soltou o grito dilacerador até hoje: “Senhor, por que me abandonastes?”. E acrescentou Bento XVI: “Nós não podemos perscrutar o segredo de Deus, pois vemos apenas fragmentos e enganamo-nos pretendendo eleger-nos juízes de Deus e da história”.
 
Após haver concluído a minha reflexão sobre tudo, consultei a maior e a melhor fonte: a Bíblia Sagrada, não obstante o autor citar dezenas de filósofos, luminares do pensamento humano desde a Antiguidade até os nossos dias. Aprendi que é a leitura que faz o crente. Nela reside não apenas a palavra de Deus e dos profetas, mas se pode dela fazer uso literário, histórico, biográfico, além de permanente energia de inspiração para milhares de escritores, seguidores e leitores desde os primórdios do tempo. Fui achar no Deuteronômio, o quinto livro do maior de todos os profetas, Moisés (o que falava com Deus), no capítulo 29, 29: “As coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei”.
 
Em Isaias, capítulo 43, 11 e 13, respectivamente: “Eu sou o Senhor, e fora de mim não há Salvador”, “Ainda antes que houvesse dia, eu sou, e ninguém há que possa fazer escapar das minhas mãos; operando eu, quem impedirá?” O Salmo 115, 2 e 3: “Por que dirão as nações: Onde está o seu Deus?”. “Mas o nosso Deus está nos céus; faz tudo o que lhe apraz”. Estavam na Bíblia as humanas perplexidades, tudo na base do somente Deus é quem sabe. Ele sempre esteve no comando.
Por último, vale a pena reler Mateus, capítulo 27, 24 e 25: “... Pilatos lavou as mãos perante o povo, dizendo: ‘Estou inocente do sangue deste justo...’ E o povo todo respondeu: ‘Caia sobre nós o seu sangue e sobre nossos filhos’”. Seria um carma? Não posso responder.
 
 
 

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