Daniel Costa

08/02/2021 00h05
 
A PAUTA DOS COSTUMES VEM AÍ
 
 
Em 1924 uma turma de escritores cariocas sofreu horrores nas mãos de Benecdito Ottoni. O líder da Liga Pela Moralidade pretendia caçar os livros que supostamente promoviam a libertinagem. Na visão de Benecdito e de seus asseclas, a família tradicional brasileira estava em xeque em razão dos romancistas que exploravam o obsceno.  
 
“Mademoiselle Cinema”, de Benjamim Costallat, foi apreendido e retirado dos mostradores das livrarias. “Os devassos”, obra de Romeu de Avellar, foi incinerado; algo similar ao que aconteceu com “Madame Cosmópolis”, de Oswald Bresford, que acabou por ser queimado pela própria editora, diante das ameaças da Liga Pela Moralidade.
 
Mas está enganado quem pensa que essa batalha pela imposição dos costumes é coisa de outras eras. Os piromaníacos da moral alheia se encontram mais vivos do que nunca, principalmente agora que Jair Bolsonaro acaba de conseguir colocar no Senado e na Câmara presidentes dispostos a realizarem seus desejos, ainda que em troca de cargos e verbas.  
 
A chamada pauta dos costumes ficou adormecida nos dois primeiros anos de mandato, muito mais por falta de força do presidente da república para impô-la, do que propriamente pelo abrandamento de suas vontades. O cenário hoje mudou e as questões sobre porte de arma, aborto e educação domiciliar das crianças, devem voltar à tona.
 
É que Bolsonaro precisa surfar nesses assuntos, não apenas para prestar contas aos seus eleitores, cumprindo promessa de campanha. Mas também para incendiar o debate público polarizando o país cada vez mais; o que lhe é extremamente benéfico, já que o discurso do “eles contra nós” fortalece o bolsonarismo, no momento em que a arquitetura do próximo pleito presidencial começa a se desenhar.
 
De quebra, a discussão sobre esses temas também serve ao presidente como forma de desviar o foco dos assuntos mais urgentes, que lhe causam urticárias, como a incompetência do governo no combate ao coronavírus e a crise econômica, que entra sem pedir licença na vida da população.
 
É concreto o risco de verem-se todos os guardas municipais do país portando um 38 no coldre, no melhor estilo velho oeste, e dos índices de violência e de trabalho infantil explodirem. Seja como for, é bom que o pessoal da defesa da moral e dos costumes, tipo Flordelis, não cante vitória antes que a régua da história marque o seu traço. Afinal de contas, lá no Rio de Janeiro do século passado, o livro de Costallat, depois de apreendido, passou a ser objeto de desejo. E já em 1925, quando liberado, bateu a casa dos 60 mil exemplares vendidos. 
 

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