Théo Alves

14/02/2021 00h19
 
O país do carnaval
 
Cresci ouvindo alguns chavões a respeito do Brasil que duram até hoje: “somos o país do futebol”, diziam, ou “este é o país do futuro” e invariavelmente que o “Brasil é o país do carnaval”. E quando o assunto é chavão, sempre me recordo de uma frase do genial e genioso Itamar Assumpção dizendo que “chavão abre porta grande”.
 
Neste caso, o tempo tratou de fechar essas portas.
 
A começar, vivemos à sombra das conquistas futebolísticas que nos colocavam sempre em um papel de superioridade, uma espécie de pedestal para o mundo durante décadas. Somos o país de Pelé, das seleções espetaculares de 1958, 62, 70... jogadores geniais como Garrincha em um passado mais distante e Romário, Bebeto, Ronaldo e Ronaldinho, só para não estender demais a lista, figuraram sempre entre os melhores do mundo, gênios da bola, mestres das quatro linhas. 
 
Mas já há algum tempo deixamos de ser dominantes como estávamos acostumados. Mesmo quando pensamos no título de campeões do mundo de 1994, já havia certa desconfiança sobre a qualidade do time brasileiro. Vencer nos pênaltis, depois de um enfadonho zero a zero, talvez dê a medida dessa contestação. Depois disso, houve sempre mais expectativa ufanista do que propriamente bom futebol, com exceção do time de 2002, que não era brilhante, mas tinha grandes jogadores.
 
A fatídica derrota por 7 a 1 para a Alemanha na Copa do Mundo de 2014, no Mineirão, serviu para nos provar o que já se assemelhava: em algum ponto dessa dinâmica de tempo e espaço, deixamos de ser o país do futebol. Somos agora coadjuvantes no esporte que foi nosso por tanto tempo. A falta de jogadores entre os melhores do mundo, para a qual Neymar – tão justamente antipatizado – é um ponto fora da curva, corrobora a decadência de nosso reinado.
 
Quanto a ser o país do futuro, está aí algo que sempre me incomodou. Desejava que fôssemos o país do presente, que houvesse em nós os motivos reais para acreditarmos que vivemos bem e que a vida acontece agora, que a democracia não é uma esperança, mas uma realidade convicta, clara e protegida de qualquer ameaça.
 
Durante algumas das últimas décadas, vivemos o crescimento de um país que nos dava orgulho e permitia serem melhores, ainda que longe do ideal, as nossas condições de vida. A comida em nossa mesa era melhor e mais farta, nos permitíamos pequenos prazeres que deveriam ser parte do que é estar vivo para além de apenas pagar contas e sofrer até o mês seguinte. Experimentamos a breve felicidade de achar que as coisas estavam melhorando e que o presente era bom caminho para o futuro, que a alegria era parte de estar vivo como sociedade que olhava para frente.
 
Agora, vivemos sob a tensão da violência, liberdades tolhidas, o peso da ignorância esmagando a Ciência, o bom senso e a civilidade. Assistimos ao reforço diário da negação da vida, da diversidade e liberdade, do bem estar econômico, da segurança social. Pretos, indígenas, populações LGBTQIA+, mulheres, artistas e tantos outros grupos são ameaçados de silenciamento e apagamento de seus protagonismos todos os dias por quem busca exercer uma dominação branca, heteronormativa, misógina, violenta e pautada em privilégios.
 
A toxicidade social que nos sufoca diariamente também esgana nossas expectativas de um futuro melhor. Nossa vida em sociedade nos exaure, nos deslegitima, diminui e nos rouba qualquer esperança de sermos um país do futuro, afinal nosso presente não nos permite sequer o direito ao sonho.
 
O chavão do “país do carnaval” se manteve firme por muito tempo e era tudo o que nos restava desses que aí estão. Até 2020 as comemorações espalhadas pelo Brasil eram de deixar Momo com nó na canela e de fazer esquecer o caminho de volta para casa.
 
A catarse que o carnaval sempre representou para os brasileiros através da possibilidade de viver os excessos que o cotidiano reprime foi sempre a válvula de escape de uma sociedade inteira para a qual a festa era a única possibilidade de plenitude. 
 
Mas até isso nos foi tomado. O Corona vírus aliado à nossa péssima gestão do combate à pandemia nos levou à obrigação de silenciar a mais brasileira de todas as festas. Claro é que não há condições sanitárias nem morais para comemorar o que seja agora, embora seja certo como dois e dois são quatro que veremos muitas histórias de festas clandestinas, de movimentos que desrespeitem os decretos em vigor e tudo mais, que farão com que os casos de Covid 19 explodam outra vez nos próximos quinze dias. Afinal, o mais terrível desses chavões nacionais continua intacto: o de que tudo se resolve com o “jeitinho brasileiro”.
 
 

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