Théo Alves

21/02/2021 00h02
 
Sobre a brevidade da vida
 
- à memória do amigo Rady Dias de Medeiros
 
Morrer é a única obrigação que temos diante da vida. Quaisquer das outras coisas que compreendemos como função ao longo da vida podem ser evitadas, abandonadas, preteridas, redirecionadas... mas morrer, não. E esse conjunto tão fatídico de frases é algo menos doloroso e duro do que parece soar à primeira leitura, pois é justamente essa certeza de finitude que nos obriga, como a nenhum outro animal sobre a terra, a viver e ressignificar a vida. 
 
A natureza dos outros animais permite a eles existir e isso lhes é suficiente, sem simbologias, mitologias ou crenças. Por isso, todos os outros animais são imortais. Entre nós, há a necessidade sempre de atribuir significados metafísicos ao que fazemos, à nossa lida diária que leva inevitavelmente ao mesmo lugar.
 
No âmbito dessa certeza de que somos mortais, finitos, é que construímos nossa vida, aprendemos e atribuímos valores às coisas, pessoas e acontecimentos. Assim, podemos entender a justiça e honestidade de nossas lutas, das batalhas que travamos todos os dias.
 
O peso e o valor dessa lida, ainda que sejamos sujeitos históricos, coletivos, dentro de um espírito de época, são sempre muito nossos e só a nós resta a capacidade de julgá-los, compreendê-los e entender quando devemos ou não insistir nessas contendas. Quando a vida está em jogo, todo julgamento externo é covarde e injusto. 
 
Longe dos radicalismos religiosos, dos julgamentos da moral alheia, é necessário compreendermos – e digo isso não apenas a vocês, meus caros leitores, mas também a mim – que a vida é frágil e o mundo é uma máquina de moer gente rodando em uma velocidade cada vez mais cruel e alucinante, movida por nós mesmos, o que só ressalta o horror desse movimento. 
 
É por isso que não podemos perder de vista essa centelha de humanidade que nos diferencia, que nos faz compreender que nossa finitude nos obriga a uma busca por viver bem e dignamente. Por consequência, deveríamos rejeitar qualquer ofensiva do mundo lá fora e cá dentro que nos obrigue a viver mal, a aceitar o que não faz sentido na vida e que nos desumaniza neste caminho traçado desde nosso primeiro até o último de nossos dias no mundo.
 
Portanto, se morrer é inevitável, viver nossos dias também o é. 
 
Convém não nos esquecermos disso nem por um breve momento, para que não deixemos de ser o que somos inevitavelmente: gente. E isso significa tornar a nossa vida e a de quem nos cerca algo um tanto mais possível e bom, mesmo em face do terror a que o mundo nos expõe com frequência e que só pode ser combatido pela companhia, pela sensação de que não estamos sós, por alguma beleza, pela certeza de que temos um papel nosso e no mundo, o que não significa “ser útil”, mas pertencer: saber-se parte do mundo enquanto o mundo é também parte de si.
 
As nossas fragilidades e conquistas ao longo da vida traçam algumas rotas dentro deste enorme e sinuoso caminho que é a vida e, por extensão, também a morte. Por isso, os religiosos, os curiosos, os pensadores ou quem quer que seja não podem distribuir sentenças sobre o que é possível ou não ao longo dessa estrada inevitável, ainda que insistam covardemente em fazê-lo.
 
Convém pararmos diante do automatismo de nossas vidas para encontrar a beleza necessária para seguir o caminho. Convém compreender quando não é mais possível segui-lo ou quando ele nos é interrompido. E, seja qual for o momento, compreender que cumprimos bem as missões que eram nossas, unicamente nossas. 
 

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