Théo Alves

14/03/2021 00h10
 
Um ano de confinamento
 
 
Ontem foi aniversário de nossa pandemia, já que a publicação do primeiro decreto que obrigava os norte-rio-grandenses a ficarem em casa data de 13 de março de 2020. Tenho certeza de que muitos de nós recordam perfeitamente onde e como estavam quando receberam a notícia da tal “quarentena”, palavra que haveria de se tornar tão frequente em nosso vocabulário a ponto de a evitarmos. 
 
Mas o curioso – e triste – é que, passado exatamente um ano desse primeiro decreto que seguiu se estendendo e sendo renovado sempre que estava para se vencer, continuamos a discutir e lidar com as mesmas questões. 
 
Após quase quatro mil mortes e 130 mil infectados – desconsiderando a subnotificação, é claro – algumas questões soam tão semelhantes que este ano parece não ter existido de fato. As escolas permanecem fechadas (com toda razão, é bom que se diga), boa parte dos alunos em todo o país continua sem assistência escolar, excluídos do mundo digital; os hospitais ainda não estão prontos para lidar com a quantidade de infectados e, mais do que faltarem UTIs, sobram doentes; ainda há quem relativize o uso de máscaras e álcool, assim como os que defendem medicamentos comprovadamente ineficazes como forma de profilaxia; as férias de julho dos  professores estão sendo adiantadas novamente; o presidente do país segue subestimando a Covid 19 – ele a chamou de “gripezinha”, entre outros abusos, ainda que tente descaradamente negar isso hoje – e dizendo que o Brasil não pode parar, instigando brasileiros como nós ao sacrifício. Aliás, um sacrifício tão cruel, que se exige dos sacrificados que metam o próprio pescoço no machado. 
 
Antes de 13 de março de 2020, tivemos chances de nos preparar para o pior: vimos a Europa se ajoelhar diante do poder devastador do Corona vírus. Assistimos e nos comovemos com o colapso funerário na Itália; testemunhamos o mea culpa do Primeiro-Ministro britânico; vimos o medo estampado em nações como Portugal e Alemanha; sem contar com as cenas de cinema da vida real que nos atingiram fortemente a espinha: o Papa Francisco atravessando a Praça de São Pedro absolutamente vazia, como nunca havíamos visto antes.
 
No entanto, um ano após o início da tragédia, ainda sofremos para enterrar os mortos enquanto outros países já se arriscam a celebrar a vida. Aqui, não nos demos direito a uma segunda ou terceira onda de contágios: metemos os pés pelas mãos e não soubemos dizer onde começava uma e terminava outra, o que nos trouxe ao tsunami de mortes que temos agora. Diariamente batemos recordes de vítimas fatais e são mais de duas mil pessoas que se ausentam de seus pais, filhos, amores, amigos... mais de duas mil histórias encerradas diariamente pela Covid 19, como não se vê em nenhum outro lugar do mundo neste momento.
 
As pessoas se veem obrigadas a voltar ao trabalho porque não há a menor segurança social oferecida pelo poder público. O presidente e seus apoiadores fazem descaradas chantagens contra o povo para aprovarem medidas que oferecerão valores insuficientes para que as pessoas possam permanecer seguras em suas casas até que as condições de saúde melhorem e o SUS se desafogue de tantos casos. Só para efeitos de comparação, o auxílio que se dará aqui é de 250 reais mensais por quatro meses, ao que tudo indica, enquanto o pacote de injeção econômica nos Estados Unidos, de onde Donald Trump foi defenestrado, oferecerá cerca de oito mil reais (na cotação de hoje) para 85% das famílias americanas. 
 
Os pais, que se percebem obrigados a sair de casa, se desesperam pela reabertura das escolas, mesmo que isso ponha em risco a vida de seus filhos e de todos os que convivem com eles, transformando as crianças em pequenas armadilhas biológicas de inocência. Inauguramos novas cepas do vírus e representamos para o mundo um risco de que nem nos imaginávamos capazes quando tudo isso começou. 
 
Normalizamos a morte por Covid 19. Normalizamos os riscos. Normalizamos a pouca importância da vida e a vitória da morte como política de governo. As UTIs despejam pacientes a todo instante e muitos morrem nas filas de espera por leitos, sem conseguir respirar: uma metáfora cruel de nosso país. Os que conseguem uma vaga, comemoram a morte de quem lhes deu o lugar.
 
Um ano se passou e parecemos ainda estar presos em 2020, embora de uma maneira mais avassaladora e cruel, em que fingimos que nada está acontecendo enquanto tropeçamos nos cadáveres de outros brasileiros como nós. 
 
Já passou muito da hora de darmos um basta em quem nos coloca nesta situação, nos prendendo num looping infinito de morte e sofrimento. Os responsáveis por esta carnificina têm nome, sobrenome e endereço e carregam nas mãos sujas de sangue um bolo horrendo em que as muitas velas são de morte. Resta saber o que faremos com isso.
 
 

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