Daniel Costa

19/03/2021 00h43
 
 
O FUTURO É AGORA
 
 
Dizem que é só depois do primeiro ano de cadeia que o presidiário se acostuma com a nova vida, quando a perda da liberdade deixa de ser o grande problema e a rotina costurada ao longo dos meses se impõe. Após um ano de uma experiência de quase prisão em decorrência do coronavírus, parece ser mesmo por aí. 
 
O aniversário da pandemia deixa entrever que já nos acostumamos com uma nova rotina, em que a morte do outro passa a ser vista como um simples número e a ausência de perspectiva de bons dias deságua na conclusão de que os pequenos momentos alegres devem ser aproveitados ao máximo. A existência é mesmo feita de minutos de exultação, de algumas horas de amor e de um turbilhão de incertezas. 
 
Nesse ponto, o lance de aproveitar o dia e viver o aqui e o agora, sem fazer projeções, tal como pregava o poeta Horácio, faz bastante sentido quando comparado ao viver esquematizado direcionado a um futuro desconhecido. Aliás, não só os epicuristas pensavam assim, Kerouac e a sua turma também apostavam nesse negócio de se jogar na vida sem olhar para o que poderá acontecer. 
 
Não se trata de viver sensações imediatas ou de recauchutar lembranças. Aproveitaro dia não significa querer ser eternamente jovem ou comprar tudo a qualquer hora, como pretende nos impor a atual sociedade do consumo. Mas de colocar toda a nossa disposição dentro da firme caixinha do agora e não na grande e vazia caixa do amanhã. O hoje é o que importa e o amanhã pode não ser. 
 
Acredito que a pandemia veio nos mostrar que é preciso confiar que o agora basta por si só, por ser pleno de começo, de meio e de fim. Talvez esse seja o pensamento de Joe Biden, que aos 78 anos assumiu o desafio de ser presidente dos EUA. E é possível que essa vontade de viver o hoje também seja a nitroglicerina que faz Lula se mover em direção a uma nova eleição presidencial, depois de passar 580 dias preso sob a sombra de encardidas acusações. Esses caras não estão a agir pensando nos possíveis frutos que irão colher mais à frente. O que eles querem é viver o presente e transformar a realidade, sem correr o risco de serem abatidos pelas autofágicas lembranças das glórias de outros tempos.   
 
A grande lição então que se pode tirar destes tempos em que o coronavírus nos rouba parte da liberdade, é a de que o barato não é pensar “como eu quero viver quando tudo passar”, mas sim “como eu quero viver agora”.  
 

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