Théo Alves

28/03/2021 00h21
 
A tristeza de ser brasileiro
 
Há alguns poucos anos, nós brasileiros passamos a incluir em nossas vidas elementos que não nos eram comuns enquanto sociedade, como a felicidade ou a sensação de prosperidade. Sentíamos algum ânimo de que a vida, ainda muito longe do ideal, começava a caminhar por veredas em que a possibilidade tocava a decência. 
 
Passamos a ver jovens chegarem ao ensino superior independentemente da classe social de que vinham. Era cada vez mais frequente ouvir que alguém havia se tornado a primeira pessoa da família com diploma universitário, por exemplo. Isso carregava perspectivas inabituais para muitos de nós, como imaginar que era possível escolher um trabalho com o qual tínhamos identificação e vontade, e não apenas dar a sequência da casta a que estávamos fadados: quem entre nós nunca ouviu histórias como a da menina que substituiu a mãe no trabalho de doméstica na casa de uma família rica da cidade?
 
Muitas pessoas conseguiram realizar pequenos, mas importantes, sonhos materiais: comprar uma casa, um carro, uma moto... outras puderam viajar ou investir na educação dos filhos ou de si próprio. Era habitual também a sensação de que comíamos com mais alegria e fartura: iogurtes, carnes, queijos, refrigerantes e coisas do tipo passaram a fazer parte do cardápio de muitos brasileiros acostumados a menos do que o básico.
 
Começamos a ouvir falar com frequência de pesquisas que tentavam aferir o grau de felicidade dos brasileiros e seu entusiasmo com o futuro. Assim como também era frequente falarem em um tal “orgulho de ser brasileiro”. Mas, para não esquecermos, repito: estávamos ainda muito, muito longe do ideal e justo.
 
Poucos anos depois, nos vemos submersos em um espírito de época tão diferente que parece nunca ter havido a mínima chance de prosperidade. A pandemia que, depois de um ano, se mostra ainda mais cruel e fora de controle, acelerou o sentimento de tragédia que vivemos. As mais de 300 mil mortes, a roleta russa de tambor cheio a que assistimos diariamente e que leva nossos amigos, irmãos, pais e filhos, colegas de trabalho, pessoas amadas, conhecidos nossos à morte mina qualquer possibilidade de alegria e recai sobre nós como uma espécie de névoa fúnebre a que respiramos para não morrer e morrer ao mesmo tempo.
 
Mas a verdade é que a pandemia acelerou e intensificou a tragédia que já se avizinhava. Embora haja toda a tristeza das mortes e do medo, talvez o mais brasileiro dos sentimentos nestes tempos, não é apenas isso o que pesa sobre nós.
 
O sentimento de que não se pode mais pagar pela vida em um supermercado, o desânimo de fazer voltar uma série de itens porque não poderemos pagar por eles, a impressão de que nosso dinheiro vale cada vez menos e a cena cada vez mais rara em que alguém no posto de gasolina diz “encha o tanque, por favor” vão corroendo nossa disposição e expectativas por dentro. Aquelas expectativas de ter o mínimo para se viver com alguma decência.
 
Além das questões econômicas, que ainda envolvem o aumento do terrível monstro da inflação e o fechamento de pequenas e grandes empresas em todo o país, há um terrível clima de violência que paira sobre nós. É constante a sensação de que estamos perdendo direitos, de que regredimos na luta pela equidade ou de que é cada vez mais arriscado ser mulher, preto, indígena ou LGBTQIA+ no Brasil. A normalização da morte e do discurso de violência nos golpeia na cara diariamente através dos jornais, da internet, do que ouvimos de conversas com amigos e parentes. Ser brasileiro parece cada vez mais arriscado todos os dias. 
 
Some-se a isso a impressão de que nunca estivemos tão mal representados politicamente e que nossos políticos são eleitos apenas para defenderem suas próprias famílias e patrimônio. Some-se a sensação de que aqueles que elegemos têm pouca diferença daqueles a quem tememos e que nada mais separa um político eleito de um líder de facção criminosa.
 
Essa é uma receita precisa do que tem trincado nossa felicidade e orgulho de ser brasileiro, afinal como é possível amar a pátria que não permite a seu povo uma vida decente? Mais que isso: que não permite que seu povo sonhe, que almeje alguma perspectiva de futuro digno e um presente em que coisas básicas como ter o que comer e onde morar não façam parte da vida? Como amar o país que maltrata, despreza e põe seu povo sob risco iminente e constante de violência?
Tem sido profundamente triste ser brasileiro ultimamente.
 
Tenham a certeza de que há muitos outros elementos que nem entraram neste texto por falta de espaço e porque hoje é domingo e esta deveria ser uma crônica leve, como tudo o que se deseja em uma manhã de domingo. Mas o Brasil não deixa.
 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).