Théo Alves

18/04/2021 00h01
 
É só um intervalo
 
 
Somos um país de pessoas cansadas. Já devo ter escrito isso tantas vezes que até a frase está cansada. Estamos exaustos por viver essa pandemia assustadora sob as rédeas da crueldade de um governo que prefere o horror e o sangue a qualquer possibilidade de salvação de seu povo. Estamos cansados deste confinamento que já dura mais de um ano sem existir direito: um confinamento que não é um confinamento, uma espécie de gato de Schroedinger da Covid 19.
 
Para além de um país cansado, eu sou um homem cansado.
 
Sobreviver por mais de um ano em meio a esse caos e tantas incertezas, fazendo parte do que chamávamos de grupo de risco, é uma tarefa desgastante demais. À essa altura, nem considero mais essa conversa de grupo de risco, é verdade: neste absurdo em que estamos, viver no Brasil já é estar no grupo de risco.
 
Mais de um ano tendo de lutar constantemente para não adoecer de Covid 19, consumindo litros de álcool em gel, lavando as mãos incessantemente, cuidando de sacolas como quem desarma bombas no Central Park em um filme americano, indo ao supermercado e à farmácia como quem corre sobre um campo minado no Vietnã... esses novos rituais cansam e o corpo arqueja enquanto evitamos frases como “eu não consigo respirar” porque temos nossos George Floyd diários por aqui: basta lembrar o descaso da polícia com os três meninos negros desaparecidos há mais de cem dias em Belford Roxo, no Rio de Janeiro, entre tantos casos que se repetem em moto contínuo por aqui.
 
Neste mais de um ano de pandemia e confinamento, sair de casa apenas para o essencial não chega a ser o maior problema, embora isso possa ser sufocante de vez em quando.
 
Foi um tempo para descobrirmos como o home office pode ser exaustivo: cobranças a qualquer hora, o que inclui as madrugadas; a exigência de criar estratégias de trabalho que se assemelham a consertar os freios de um carro enquanto ele desce a ladeira; a falta de limite físico que impede o trabalho de invadir nossas casas, nossas famílias, até a caixa de brinquedos de nossos filhos; as aulas e reuniões diante de uma tela que parece sugar o pouco que ainda nos resta de energia...
 
Esse tempo serviu também para exaurir nossas estratégias contra o confinamento: ninguém aguenta mais fazer pão, tocar violão para passar o tempo, acompanhar lives dos artistas preferidos, eventos culturais online, lançamentos virtuais de livros ou qualquer coisa que comece com “bate-papo”. Conversar online tem sido cada vez mais difícil. A solidão da tela compartilhada é de fato mais solidão que companhia.
 
É preciso dizer que, neste tempo, tenho sido muito produtivo profissionalmente: a publicação de dois livros, um de contos e outro de crônicas, além de um terceiro de poemas que já está pronto, prestes a ser lançado; escrevi crônicas semanais durante todo este tempo; pus no papel o projeto de um romance que me assombrava há anos e que nunca pensei ser capaz de realizar até vê-lo pronto em pouco mais de três meses de dedicação árdua a ele; projetos e prêmios culturais; lives semanais sobre os mais variados temas, com ou sem convidados; oficinas online de fotografia; palestras e entrevistas; traduções e revisões; além dos trabalhos corriqueiros de horas marcadas. 
 
Isso faz com que, em um ano, eu tenha produzido o que levaria talvez cinco ou mais (sempre permeados pela fotografia, responsável por me ajudar a lidar e equilibrar a balança que pesa palavra e silêncio, mas que ficou interditada durante este tempo, tentando não deixar caírem os pratos da vida pessoal e da criação dos filhos).
O resultado é óbvio: estou exausto. Assim como todos os brasileiros, estou exausto.
 
Por isso, neste momento, não há outra saída além de colocar a vida no modo silencioso. Deixar de lado o obituário que se tornou o Facebook e as frivolidades do Instagram. Diminuir radicalmente o tempo gasto com o Whatsapp e suas urgências desnecessárias. Alimentar o silêncio de não escrever por um tempo, de não olhar para as coisas tentando encontrar nelas uma crônica, um poema, uma piada.
 
É hora de ouvir música instrumental: Miles Davis, Dusko Goykovitch e Thomasz Stanko já estão empunhando seus trompetes por aqui. Deixar em silêncio as vozes de Leonard Cohen, Bethânia, Zitarrosa, Belchior e Billie Holiday. 
 
É hora de fechar os livros também. Li tão compulsivamente neste ano que é tempo de deixar a palavra repousar sobre meu corpo em silêncio, aninhada sobre meu umbigo, até suas sementes estarem descansadas o suficiente para brotarem outra vez.
 
Tudo isso passa logo, eu espero. É cansaço apenas. Mas descansar, para um ansioso crônico como eu, exige disciplina e respeito. Por isso, até breve, meus caros. É só um intervalo.
 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).