Fábio de Oliveira

17/05/2021 00h13
 
Genocídio atemporal
 
 
Um conjunto de fatores contribui para o extermínio de um povo: a falta de efetivação de políticas públicas, direitos negados, invisibilidade, desrespeito e preconceito às diversidades étnicas, reprodução de estereótipos, transmissões virais e chuva de agrotóxicos em terras indígenas, dentre outros tipos de violência. Se há meios mais econômicos e tecnológicos, por que desperdiçar balas para nos matar?
 
Lembremos da invasão europeia e das doenças mortais que atravessaram o continente e desembarcaram em nossas terras, matando milhares de nós. O uso de técnicas coloniais como objetos contaminados, deixados propositalmente nos aldeamentos, foi um dos principais meios genocidas. À medida em que nossos povos encontravam e utilizavam esses itens infectados, as doenças rapidamente se propagavam: o “jeitinho” colonizador de nos exterminar – que se estende até os dias atuais.
 
Não muito diferente das doenças trazidas pelos europeus, o coronavírus, que já chegou em várias comunidades indígenas, também tem sido utilizado como uma forma de matar nossos povos. Ao passo que o coronavírus é tratado pelas autoridades com desdém, como uma “gripezinha”, também é desconsiderado todo o cuidado que deveria ter por parte do Governo. Consequentemente, ocorrem mortes não somente de indígenas, mas de pretos, quilombolas, pessoas em vulnerabilidade social e de outros grupos, que são colocados como minorias pelos “cientistas sociais enlatados”. Era assim que Guerreio Ramos gostava de se referir aos cientistas sociais brasileiros aprisionados em teorias estrangeiras, que desconhecem a realidade nacional.
 
Recentemente disseminado nas mídias, as invasões de garimpeiros às terras Yanomami, armados com fuzis, espingardas, pistolas e coronavírus, vêm ameaçando e tornando proporcionalmente maiores os conflitos e as mortes de nossos povos. Nossas vidas estão cercadas e na mira de tantas formas de nos matar, por ambições capitalistas em nome de um progresso. Progresso pra quem?
 
Mesmo com todas as mobilizações coletivas e reivindicações em prol de nossos direitos, a Funai não está agindo em nosso favor para que estes direitos sejam efetivados.  Esse descaso é fortalecido pela omissão advinda das conjunturas políticas atuais. Prefeituras de vários Estados chegaram a devolver doses de vacinas, justificando o desconhecimento da existência dos nossos povos, seja no contexto urbano, seja no contexto aldeado. Acompanhamos, com muito pesar, esse cenário caoticamente genocida que segue fazendo vítimas.
 
Precisamos compreender que, de fato, há perseguições aos nossos povos. As mortes ocorridas ao longo desses séculos não dizem respeito apenas a mais uma fatalidade, e sim a um agendamento político, para a apropriação de terras que sempre foram nossas. Quando é declarada uma política de Governo que pratica a violação e desrespeito sistemático dos nossos direitos, a responsabilidade tem que ser chamada de todos os órgãos, instituições e nós mesmos. Todos os ataques e mortes não podem ser normalizados. A luta não é somente contra garimpeiros, grileiros e coronavírus, mas também contra a negligência do Estado brasileiro em relação a nossa existência.
 

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