Andreia Braz

15/06/2021 00h03
 
Amor nos tempos do Tinder
 
 
O amor une os amantes em um ímã
E num enigma claro se traduz
Extremos se atraem, se aproximam
E se completam como sombra e luz
 
                     Chico César/Carlos Rennó
 
Meu sobrinho Pedro vive dizendo que eu deveria entrar num desses aplicativos de relacionamento. Quem sabe assim não encontro um pretendente a namorado! Ele acredita que vou encontrar alguém com meu perfil e posso conhecer algumas pessoas interessantes no aplicativo. Acho que sou muito antiga pra essas coisas, não levo muito jeito pra essas modernidades. Sou do tempo das salas de bate-papo da UOL, das conversas via MSN (risos). Detalhe: nunca paquerei por meio de nenhum dos dois. Sempre fui adepta das formas mais tradicionais de paquera/namoro e nunca tive qualquer dificuldade em relação a isso. Pelo contrário, sempre paquerei/namorei bastante na juventude. A primeira vez que acessei a internet eu tinha 18 anos. Não sou dessa geração de nativos digitais e por vezes me sinto meio deslocada em relação a algumas coisas. Tudo é bem mais simples para quem já cresceu nesse mundo digital. A verdade é que eu nunca me interessei muito por esse modo de paquerar, digamos assim. 
 
Não tenho preconceito algum em relação à paquera virtual, que isso fique bem claro, talvez seja apenas uma falta de interesse de minha parte. Inclusive, tenho duas amigas que estão casadas há mais de dez anos com homens que conheceram por meio dessa tecnologia. Fui ao casamento de ambas. As duas estão muito felizes com suas escolhas. Uma delas encontrou do outro lado do Atlântico o amor de sua vida e não pensou duas vezes antes de largar tudo no Brasil para viver o seu amor estrangeiro. Cidadã do mundo, fez intercâmbio na juventude, ela fala três idiomas e a língua não foi uma barreira para dar continuidade ao romance. Encontrou um cara que também ama viajar e juntos estão construindo uma história de companheirismo e cumplicidade. São pais de uma linda menina de dois anos. A outra encontrou sua alma gêmea aqui mesmo em Natal e não foi difícil perceber que estavam em busca do mesmo objetivo. A filha de sete anos, que adora cantar e fazer vídeos no Tik Tok, é uma menina encantadora.
 
Há também os relacionamentos mais efêmeros. Depois de alguns meses conversando com um rapaz do Rio de Janeiro pelo Happn, aplicativo de paquera que surgiu depois do famoso Tinder, minha amiga finalmente o conheceu. Segundo ela, o jovem, funcionário público, seria um forte candidato a namorado. Ele veio passar um final de semana em Natal e o encanto da moça só fez aumentar. Eles continuam conversando via redes sociais. Quem sabe não surge um namoro interestadual.
 
Voltando a minha resistência com os aplicativos de paquera. Pra ser sincera, acho muito mais legal conhecer alguém no trabalho, num evento cultural, num encontro de amigos em comum. Também pode ser no mercado, na parada de ônibus, na fila do banco. Por que não? Outro dia estava no mercado com um amigo e troquei alguns olhares com um rapaz. Talvez ele tenha pensado que eu estivesse acompanhada. Um homem e uma mulher fazendo compras juntos, pra muita gente só pode ser um casal. A máscara também não ajuda muito. Quem sabe um sorriso tivesse desfeito aquela impressão e uma conversa/paquera pudesse ter começado na fila do caixa. Ou não. Resta saber se ele também era solteiro. Sigamos. Quem sabe um dia eu me renda aos encantos do Tinder ou de outro aplicativo de relacionamento. Por enquanto, prefiro esperar o fim da pandemia e apostar numa paquera mais real, digamos assim.
 
E sempre é tempo de viver um novo amor. Outro dia vi na tv a história de um casal que se conheceu na fila do Bondinho Pão de Açúcar. Tenho uma colega que conheceu o primeiro marido no ônibus. Ambos pegavam o mesmo transporte algumas vezes por semana e o clima de paquera foi surgindo naturalmente. 
 
Eu mesma já vivi uma paixão arrebatadora com um escritor que conheci num evento literário. Ao entrar no local, dei de cara com ele e tive a sensação de ser hipnotizada pelo seu olhar. Foi uma atração imediata. Inexplicável. Eu usava uma camiseta preta e uma saia florida... Passamos a noite inteira conversando e depois disso vivemos alguns anos de uma paixão avassaladora. Ele partiu no dia seguinte. Viajamos para algumas cidades do Nordeste e desfrutamos de momentos incríveis com direito a muita poesia e música. Hoje somos grandes amigos. As canções de Chico César são a principal trilha sonora do nosso romance. Certa vez fomos passar um final de semana em Campina Grande e ao entrar no quarto hotel ele teve uma surpresa: um cd de Chico César começou a tocar em sua homenagem. Uma das canções diz assim:
 
E aqui dentro de mim você demora
Já tornou-se parte mesmo do meu ser
E agora, em qualquer parte, a qualquer hora
Quando eu fecho os olhos, vejo só você
 
Voltando aos aplicativos de paquera. Acho que sou adepta do romance à moda antiga mesmo, confesso. Se bem que o contexto atual não está permitindo esse tipo de contato, para quem está respeitando o distanciamento social. Costumo dizer que a pandemia complicou um pouco a vida dos solteiros. A declaração é sempre acompanhada de uma boa gargalhada. Não tomei vacina nem tenho previsão de quando receberei a primeira dose do imunizante contra a Covid-19, tenho 40 anos e não pertenço a nenhum grupo de risco. 
 
E está enganado quem pensa que aplicativo de paquera é coisa só de jovem. Outro dia vi uma matéria superlegal no Programa Encontro contando a história de duas mulheres que estão em busca de um novo amor. Elas têm 60 e 61 anos. Detalhe: um homem da plateia virtual se interessou por uma delas. Legal foi a parte em que ele fez algumas observações sobre a suposta pretendente. “Ela é dinâmica, pra cima”, ressaltou o paraense que está solteiro há vinte anos. Ele disse que alguns assuntos podem afastar os pretendentes (falar muito do ex-marido, por exemplo). Isso depois de uma das entrevistadas dizer que um dos homens com quem estava conversando desistiu da paquera depois que ela falou dos netos, dizendo que gostava de estar cercada por eles etc. A outra ressaltou a importância da vacina para um possível encontro presencial. Alguns homens estão colocando o cartão de vacina na foto no perfil. Novos tempos.
 
Essa conversa me fez lembrar um poema de Drummond (“Amor e seu tempo”):
 
Amor é privilégio de maduros
Estendidos na mais estreita cama,
Que se torna a mais larga e mais relvosa,
Roçando, em cada poro, o céu do corpo.
É isto, amor: o ganho não previsto,
O prêmio subterrâneo e coruscante,
Leitura de relâmpago cifrado,
Que, decifrado, nada mais existe
Valendo a pena e o preço do terrestre,
Salvo o minuto de ouro no relógio
Minúsculo, vibrando no crepúsculo.
Amor é o que se aprende no limite,
Depois de se arquivar toda a ciência
Herdada, ouvida. Amor começa tarde.
 
 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).