Emanuela Sousa

22/08/2021 08h52
 
Cansaço ou tristeza? 
 
 
A última entrevista concedida por Clarice Lispector, em 1977, pela TV Cultura é realmente instigante e intrigante. 
 
Assistindo pela décima vez, ainda sinto o impacto de suas respostas como se fosse a primeira vez, entro em profunda reflexão. Ela, mesmo que perto de sua morte, transmitindo um semblante cansado e melancólico, conseguiu nos atingir em cheio com suas respostas, deixando um rico material para estudo para universitários e apaixonados por literatura. 
 
Em um dos trechos mais tocantes da entrevista, o apresentador pergunta qual o público é mais fácil de se comunicar. Clarice explica que, através de seus livros, comunicar-se com o adulto é mais difícil.  Segundo ela o adulto é "triste e solitário" e a criança "tem a fantasia, solta". Em alguns segundos de silêncio enigmáticos entre o jornalista e Clarice, ela diz uma frase que deu ênfase à sua entrevista: "só estou triste hoje por que estou cansada." 
 
Penso que, por muitas e muitas vezes nos encaixamos nesta mesma frase.  Às vezes não é cansaço, é tristeza, às vezes são os dois em um único sentimento. 
 
Esgotados de tudo, mentalmente falando, lembro que os últimos anos têm sido difíceis, e acredito que particularmente, cada um carrega dores, saudades e fardos que se acumulam, se transformando em um sentimento familiar à melancolia: o  cansaço. 
 
Cá entre nós, secretamente estamos esperando por algo que leve embora nossa dor, e que dissolva nosso esgotamento. Fazemos planos para o futuro,  reviramos nossas caixas de lembranças em busca de leve memória, algo que nos faça esquecer, por um momento que estamos exaustos. 
 
Exaustos das más notícias,  do trabalho mal remunerado, das injustiças do dia a dia, das guerras... 
 
Estamos na luta, ainda há procura de dias melhores,  para que voltemos a ser crianças. Alegres,  cheias de  fantasias, como disse Clarice Lispector. 
 
Triste e solitário já basta o nosso tempo.
 

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