Andreia Braz

23/08/2021 11h45

 

Por que escrever? 
 
 
 
A palavra é meu domínio sobre o mundo.
 
                                                        Clarice Lispector
 
 
Não sei dizer exatamente quando comecei a escrever crônicas, mas posso dizer que a escrita regular está presente em minha vida há duas décadas. Aos 15 anos, ganhei uma agenda da minha irmã Cícera, a qual guardo até hoje, e foi a partir daí que comecei a escrever com certa regularidade, passando a cultivar o hábito da escrita e a paixão pelos diários. 
 
O ingresso no CEFET, hoje IFRN, significou a imersão em um universo de novas leituras e reflexões sobre as coisas do mundo. Fui aprovada para o curso técnico de Turismo e Hotelaria e cursava, ao mesmo tempo, o nível técnico e o ensino médio, o que me proporcionou, entre outras vivências, o contato com línguas estrangeiras e algumas experiências imprescindíveis à minha formação humana e intelectual. É dessa época, por exemplo, minha paixão pela língua espanhola. Esse período também foi fundamental para definir meus gostos literários. Em contato, pela primeira vez, com obras importantes da literatura brasileira, como Dom Casmurro, de Machado de Assis, por exemplo, foi aí que nasceu minha paixão pela leitura literária. É dessa época meu amor por poetas como Bandeira, Drummond, Quintana, Vinicius... 
 
Como não tinha condições de comprar livros novos, sempre que podia, os tomava emprestados na biblioteca da escola ou com amigos do curso. Isso até descobrir que existiam os sebos. Lembro a primeira vez que estive em um sebo (onde adquiri livros a R$ 2). Saí de lá toda feliz com um exemplar de um livro de contos de Ignácio de Loyola Brandão e uma coletânea de contos universais. Devorei esses dois livros rapidinho. Lembro, também, do meu fascínio pelo conto “Bilhete Premiado”, de Anton Tchékhov.
 
Além da leitura, ainda cultivava a paixão pela escrita e, vez por outra, escrevia sobre o que estava acontecendo ou endereçava cartas a amigos e familiares. Dessa época, tenho alguns textos sobre notícias de jornal, eventos culturais e outros temas que me pareciam interessantes. Lembro de ter escrito um texto sobre uma exposição de réplicas de Portinari, a qual fui visitar numa aula de campo e me deixou muito encantada. Meu intuito era motivar as pessoas a visitar a exposição. O texto foi afixado no mural da escola, o que me deixou superfeliz. Outro texto de que me recordo é uma crônica onde relato um problema de ordem social que me causou profunda comoção. Na época do ensino médio também participei de um concurso de redação no qual concorri a uma viagem para a Colômbia. Fiquei em segundo lugar.
 
Durante todo o ensino médio, mantive o hábito de escrever diários, e creio que isso foi fundamental para alimentar a paixão pela escrita e, o mais importante, para reforçar a necessidade da escrita e a relevância que teria em minha vida dali por diante. Tenho esses e outros diários guardados até hoje, assim como algumas cartas recebidas nesse período e outras não enviadas para os amigos de escola, familiares, professores, namorados, além de outros textos avulsos escritos naquele período. As cartas que nunca foram entregues aos seus destinatários, inclusive, já pensei em reunir em livro, para o qual já tenho em mente um título: Cartas para ninguém. Antes disso, no entanto, devo publicar meu primeiro livro de crônicas.
 
Uma carta dessa época que guardo com imenso carinho é a de uma amiga que fez intercâmbio na Alemanha quando cursávamos o terceiro ano do ensino médio, Mara Castro. Durante o período em que esteve fora, ela sempre me enviava cartas e postais. Cidadã do mundo, poliglota, autêntica e determinada, encontrou o amor da sua vida do outro lado do Atlântico e não pensou duas vezes antes de deixar o Brasil. Hoje vive em Amsterdã com seu companheiro Jeroen, que, assim como ela, também viajar, e sua filha Ava Luísa, de dois anos. Ela vem a Natal uma vez por ano e já espero ansiosa o nosso próximo encontro.
 
Quando ingressei na faculdade, também para o curso de Turismo, a paixão pela escrita continuou ainda mais viva porque lá encontrei um excelente interlocutor, um amigo apaixonado por arte, filosofia, literatura, Kelton Wanderley. Com ele trocava muitos bilhetes, cartas, e-mails. Além disso, os professores sempre estimulavam o exercício da escrita e elogiavam minhas produções, o que me fazia seguir confiante. Alguns docentes que marcaram minha trajetória na UERN: Ana Maria do Vale, Maria Audenora Neves, Jânio Fernandes, Emanuel Braz, Sidcley Alegrini.
 
Ainda cursando Turismo, na universidade estadual, fui aprovada para o curso de Letras na federal. Antes, havia tentado Jornalismo, mas estava gostando da ideia de cursar Letras, afinal, escrever sempre foi uma grande paixão. Então, o contato com a literatura me faria muito bem. Fiz o vestibular por “insistência” de um ex-namorado, Cláudio Wagner, ao qual serei eternamente grata. Ele, que, aliás, é um filósofo por natureza e um grande poeta, foi uma das pessoas que me incentivaram a seguir escrevendo.
 
Diante dessas reflexões sobre o meu percurso literário, volto a fazer a pergunta que intitula esta crônica: Por que escrever? Escrever sempre foi algo muito natural para mim, que desde sempre tive uma necessidade inexplicável de registrar tudo (ou quase tudo) que sinto. Talvez uma tentativa de eternizar as coisas, como disse Rubem Alves certa vez. Costumo dizer que sou uma ilha cercada de palavras por todos os lados. Escrever é, acima de tudo, minha forma de ser/estar no mundo. É algo que me faz sentir viva. Para dizer com Zila Mamede, uma exímia cultivadora do verbo escrever, o “exercício da palavra” é o que dá sentido à minha existência.

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