Bia Crispim

15/10/2021 12h04

 

Quando a professora vira aluna

 

Desde o dia 11 deste mês que participo do 19º Congresso Brasileiro de Professores de Espanhol, realizado pela FELCS/UFRN – Faculdade de Engenharia, Letras e Ciências Sociais do Seridó. Dizer isso me dá muitos orgulhos: primeiramente porque o evento é realizado por uma faculdade do interior (Currais Novos, para ser mais precisa), e, apesar do “brasileiro” que consta em seu nome, o congresso conta com a presença de professores e palestrantes de várias partes do mundo, sobretudo da América Latina.  O Sertão hoje é hispânico.

 

Segundo porque sou professora de espanhol e estar participando ativamente, inclusive com comunicação oral de atividades dessa magnitude, me dá a certeza de que o lugar de uma Travesti é onde ela quiser, como venho afirmando em vários dos meus textos, como venho afirmando-me em todos os lugares com os quais sonhei estar.

 

Não estou aqui (apenas) fazendo a propaganda do congresso, mas utilizo esse contexto para relatar um episódio que me ocorreu durante minha apresentação oral. Episódio esse que me fez valorizar ainda mais quem eu sou, minha profissão e minha trajetória de vida. E que me encheu e me enche de orgulho por ter escolhido e batalhado para ser a pessoa e a professora que sou hoje. (Reconhecer nosso valor é importante para nossa boa autoestima)

 

Quem já participou de congressos sabem que as comunicações orais geralmente são inscritas dentro de algum GT – grupo temático ou ST – simpósios temáticos. Pois bem, eu estava inscrita no simpósio intitulado HIBRIDIZAÇÃO CULTURAL E IDENTIDADE: DO BARROCO AO NEOBARROCO NAS LITERATURAS DE LÍNGUA ESPANHOLA, coordenado pelo Profº Drº Samuel Anderson de Oliveira Lima e a Profª  Drª Leila Maria de Araújo Tabosa.

 

Eu faço estudos na área do neobarroco e da esquizoanálise nas narrativas modernas e contemporâneas e meu trabalho se encaixava bem nas discussões desse simpósio. Tudo ocorreu como deveria ter ocorrido, uma apresentação após a outra com espaço final para as discussões, as indicações de livros, as trocas de informações, os enriquecimentos quanto aos nossos objetos de estudo... Quando de repente a fala da professora coordenadora me paralisa.

 

Eu, aluna, já havia sido professora da Drª Leila. E naquele instante, estávamos revertendo os papéis. Não reproduzirei seu discurso porque seria incapaz de fazê-lo. Mas posso dizer sobre o quanto de admiração e reconhecimento e gratidão e entusiasmo ela falou sobre aquela professora que nos anos 90, nos primeiros anos do cursinho do DCE da UFRN – campus central, falou-lhe pela primeira vez sobre Barroco.

 

A cada frase, a cada exclamação sua, eu me reportava àquela época, àqueles primeiros anos em que me atrevia, com meus 18, 19 anos a ser professora. Professora de cursinho preparatório para o tão temido vestibular da UFRN. Professora atrevida que entrava nos anfiteatros do Biociências, onde o cursinho do DCE funcionava naquele período, como se já soubesse de tudo de literatura. (Soberba da juventude!!!) Deixo registrada aqui essa informação: eu fui a primeira professora de literatura do cursinho do DCE, hoje PROCEEM. E tenho, de novo, muito orgulho disso.

 

Tem uma mágica absurda nessa coisa de sua aluna se tornar sua professora. Não sei se é a sensação de que você fez o certo, de que você tem utilidade, de que o que você escolheu fazer da vida tem consequências positivas... Não sei se é o fato de você se eternizar nas outras pessoas. Em um texto já publicado nessa coluna, chamado “Flor de Mandacaru” eu escrevo: “O Sertão ensinou-me e eu tornei-me professora. Passei a não ser mais eu, a ser muitos/muitas e a me dividir. E como o Sertão, virei parte de muita gente. "Sertão - Casa grande", como diz José Bezerra Gomes.”

 

Acho que é bem por aí, a sensação de que nós, professoras e professores, nos fragmentamos em cada sala de aula, em cada aluna/o/e, e nos fazemos a partir dos fragmentos de tantas pessoas. (Imagem essa muito Barroca, por sinal). Obrigada, Profª Drª. Leila Maria de Araújo Tabosa, pelas palavras tão emocionantes e por me reconhecer como uma igual. Que a ciência, a docência nos possibilite outros encontros. E que continuemos afirmando o que Rosa disse: “MESTRE NÃO É QUEM SEMPRE ENSINA, MAS QUEM DE REPENTE APRENDE”

 


 

 


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