Fábio de Oliveira

01/11/2021 09h50

Condutas coloniais: transgressões existenciais mascaradas de amparos

 

A maioria das pessoas brancas tem um invasivo hábito de interver em espaços e situações das quais não lhe pertencem. É como uma visita que chega na sua casa e quer mudar a posição dos móveis; já vai deitando no sofá, reclama do seu animal de estimação ou de qualquer outra circunstância. As situações são muitas e vão para além destas colocadas como exemplo.

Nas minhas visitas ao Centro de Acolhida e Referência em Natal/RN, onde algumas famílias Warao estão abrigadas, venho percebendo diversas ações por parte de pessoas brancas, que chegam ao espaço “bem-intencionadas” e com o intuito de ajudar. Historicamente, conhecemos que por trás desses episódios há um toque colonizador entranhado – um jeitinho explorador, que está enraizado –, ao querer impor suas culturas ao modo de vida ocidental.

Ocorrem constantes ações por meios de doações da sociedade civil. Mas existem interesses perversos nos bastidores da oferta de donativos às famílias Warao. Aproveitam-se dos contextos dos nossos povos para colonizar em forma de ajuda! Não há apoio efetivo e assíduo em aspectos políticos e sociais por parte dos órgãos públicos.

Dentro dos apoios que chegam da sociedade civil, também estão as instituições evangélicas e católicas, que não vêm somente realizar doações. A preocupação é a imposição dessas crenças religiosas, que não fazem nenhum sentido para nossos povos e isso só contribui para o etnocídio, que vem acontecendo desde o século XVI.

Lembrei-me de uma situação em que um grupo de pessoas se reuniu para gerar um momento diferente às crianças Warao, neste mesmo local. Percebi que essa ação específica foi genuína, sincera e sem interesses por trás. O coletivo alugou um pula-pula, uma máquina para fazer algodão-doce e pipoca; distribuíram brinquedos, livros e materiais para pintura. Foi um momento muito festivo para crianças, que foi revelado na pluralidade dos sorrisos. 

Na ocasião, observei uma presença incomum naquele espaço e de conduta um tanto quanto duvidosa. Um homem, branco e cis, estava usando o celular para filmar as crianças brincando. Foi aí que uma das pessoas que organizou a ação se aproximou do sujeito. Descobriu que ele estava postando vídeos nas redes sociais, informando que ele mesmo estava promovendo aquela ação. Isso mesmo! 

Na tentativa de um diálogo, o sujeito relatou que pela manhã, no mesmo dia, havia realizado uma ação similar com as crianças e depois de algumas indagações, foi embora discretamente. No entanto, seu relato teve inconsistência, quando invalidado pelo morador do abrigo e pai de uma das crianças Warao, que negou todas as suas colocações.

Pessoas como esse falso samaritano fazem parte dos nossos dias e também das famílias Warao. O assistencialismo de brancos é mais suspeito que um dos nossos caminhando pelas ruas. A colonização não cansa nem tira tempo de folga e vem mascarada de ajuda. Fiquemos atentes aos ataques disfarçados de amparos!

 

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