Fábio de Oliveira

08/11/2021 00h03
 
Doutrinação religiosa: violações subjetivas e constitucionais
 
 
Quando utilizamos os transportes coletivos, esperamos no mínimo seguir uma viagem sossegada ou, quem sabe, tirar aquele cochilo na vidraça do ônibus, depois de um exaustivo dia de trabalho. Mas não é bem assim que as coisas acontecem, não é verdade? Mais uma vez a laicidade é desconsiderada e a falta de respeito imposta em intervenções religiosas nos ônibus e nos trens continuam.
 
Eu já presenciei inúmeras vezes esse tipo de situação acontecer e de distintas formas de abordagens, com o mesmo intuito: inserir o cristianismo forçadamente, desconsiderar o Estado laico e as diversidades religiosas existentes. Essas pessoas pregam, narrando passagens bíblicas, na tentativa de inserir um único ponto de vista e/ou provocar algum tipo de penitência a quem não crê no que está sendo lido no decorrer da viagem.
 
Pregadores que também são vendedores! Mas o foco não é vender jujuba, o salgadinho, caneta ou qualquer outro produto acompanhado de um folheto bíblico, mas sim fazer as pregações aos passageiros. Somos praticamente obrigades a conviver com essas intervenções. Algumas pessoas aturam e outras evitam censuras em nome de uma liberdade religiosa, que não existe para religiões não-hegemônicas.
 
Em uma das ocasiões intervi, solicitando menos barulho na viagem para o trabalho, pois estava fora do comum os gritos ecoados por um destes pregadores dentro do ônibus. O rapaz, instantaneamente, verbalizou indiretas a minha pessoa, colocando-me como um indivíduo ruim e mau-caráter. Se eu embarcasse em um desses transportes puxando um ponto de Exu, muito provavelmente não passaria nem da catraca.
 
Acredito que em nenhum momento você viu juremeiros, candomblecistas, seguidores de qualquer outra religião diferente da cristã, ou até mesmo, agnósticos e ateus, realizando intervenções em espaços públicos. Porque, em princípio, sabemos, há anos, que a intolerância religiosa e o racismo operam sobre nós, povos de terreiro. Não forçamos ninguém a aderir as nossas crenças e costumes. Os chamados ancestrais são espontâneos.
 
Não temos que tolerar uma violação ao nosso direito de fazer uma viagem pacífica, em razão de uma imposição religiosa que não faz sentido para nós. A laicidade e a liberdade de crença são constitucionais. Em vez de sermos amparados e termos garantida a efetividade desses direitos pelo Poder Político, nós, povos de terreiro, sofremos perseguições constantes.
 
A disseminação da compreensão e respeito pelas diversidades culturais é uma forma de combater o racismo provocado pelos seguidores das religiões hegemônicas. O ato de ocupar coletivamente espaços culturais, sociais e políticos, fortalece nossas comunidades de terreiro, que lutam por existência.
 

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