Fábio de Oliveira

27/12/2021 10h46

 

A necropolítica nossa de cada ano

            Aqui estamos, na última segunda-feira de 2021.  Anualmente ouço, como de costume, aqueles manjados comentários, com um tom de reclamação, de que o ano voou e passou rápido demais, acompanhado com votos de boas felicitações. Percebo que cabe a poucas e poucos uma digna reflexão que faz toda a diferença e que não espera a euforia dos festejos na virada dos ponteiros. Não há, de fato, o que se comemorar, ao se levar em consideração o contexto pandêmico que ainda estamos vivendo, que atingiu e atinge os nossos. O que você extrai de tudo isso?

            A sensação é a de que 2021 foi extensão de 2020 e o ano que vem não será diferente: ficaremos presos em uma hiperrealidade cada vez mais hostil. Mas agora o colapso é repentino para qualquer um de nós, como se fosse uma roleta-russa: a morte vem pela fome e/ou pelo coronavírus. Ficou no ar um “salve-se quem puder”.

            A necropolítica, em nosso país, vem desempenhando, escancaradamente, seu papel. Ela é motivada pela negligência das conjunturas políticas atuais, que acompanhamos ao longo deste desgoverno. Afinal, sempre esteve nas mãos do Governo a decisão sobre quem vive e quem morre, como preconizado pelo filósofo, historiador e professor negro Achille Mbembe. A política de deixar morrer parece ser mais uma relação entre custo x benefício do que gastar com balas para matar a população, pois é mais fácil ter um sistema de saúde que continue operando cheio de deficiências e um insuficiente programa de vacinação.

            O negacionismo do vírus e de nossas existências identitárias é fomentado pelos discursos de ódio, pelas reduções de direitos e pelos comentários grotescos transmitidos nas mídias pela Presidência. A “gripezinha” dizimou a vida de mais de seiscentas mil pessoas; essas mortes foram ocasionadas pelas condutas genocidas, em razão do atraso nas compras das vacinas, corrupções e interesses políticos. Chegamos ao ponto de muitos terem normalizado as mortes dessas pessoas. Estamos na transição para 2022 e isso continua!

Veja bem, o que temos para festejar, comemorar? Tivemos que afastar amigos e familiares do nosso ciclo social, por posicionamentos políticos inaceitáveis e convenientes com esse genocídio. E o pior, as pessoas morreram e continuam a morrer.

            E quem bem souber refletir sobre tudo isso, conduzirá ações a partir de suas reflexões, a fim de seguir vivo amanhã.

Sigamos nos cuidando, cuidando dos próximos e atentes para não sermos os próximos a entrar nesse colapso e tornamo-nos estatísticas mortas da necropolítica.


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