Fábio de Oliveira

17/01/2022 09h34

 

Não inviabilize nossas narrativas!

A luta por visibilidade, (re)existência e produções de nossa intelectualidade é uma constante nessa sociedade, que se afirma cada vez mais racista em diversas condutas diárias. E quando falo nossa, incluo nesse diálogo, nós, os povos acêntricos (indígenas; negres, povos de terreiro; LGBTQ+; ciganes; pessoas com necessidades especiais e dentre outros). Por que quando buscamos fortalecer-nos, a branquitude se incomoda?

Recentemente, Déia Freitas, idealizadora do podcast “Não Inviabilize”, promoveu uma seleção para assistente de roteiro voltada apenas para mulheres cis, trans, travestis, sendo pretas, pardas e indígenas, com remuneração, durante quatro meses, no valor de cinco mil reais. Uma excelente oportunidade, que não é comum para nossos povos, haja vista a ausência de um recorte étnico-racial em seleções e editais públicos e privados em todo o país.

Isso foi o suficiente para as brancas, inclusive as que se passam de antirracistas feministas e esquerdistas, revoltarem-se com a seleção e dispararem declarações agressivas e acusações de vários tons contra Déia. Como se fosse algo errado e discriminatório utilizar políticas afirmativas na vaga ofertada. Práticas de seleções como essas que são garantidas no artigo 1º, do 5º item, da Convenção Interamericana Contra o Racismo.

O mercado de trabalho e as oportunidades em seleções e editais culturais, em todos os departamentos, é majoritariamente branco. Isso demonstra o acesso e privilegio da branquitude e também denuncia a gritante desigualdade racial operada no país. Quando ocupamos essas vagas dentro de uma menor estatística, a maioria destas são em cargos operacionais e subalternizados.

Curiosamente, nós, povos indígenas, negres, de terreiro, LGTB+, ciganes e de periferia, estamos nas justificativas dos projetos idealizados das pessoas brancas, que são contempladas nos editais. Não é porque nossos povos estão em frente às câmeras, seguindo um roteiro e direção de uma pessoa branca, que temos vozes! Isso é mera objetificação e apropriação cultural, sem retorno algum para nossos povos; fica só nos likes e premiações dos idealizadores brancos.

Vivemos em um país que de nórdico não tem nada, mas os brancos têm privilégios que jamais serão questionados por eles mesmos, pois não vão querer sair do pedestal. Quando um espaço é ocupado por brancos, não há, por parte deles, um tensionamento acerca da ausência da presença dos povos acêntricos no mesmo local. Mas ao buscarmos fortalecer os nossos, como fez Deia, aquele manjado e inconsistente argumento do “racismo reverso” é verbalizado e carregado de ódio, como se tivéssemos poder de opressão.

Já que a branquitude não reconhecerá seus privilégios, é preciso que mais ações como a da Déia aconteçam, sejam apoiadas e ganhem força para tensionarmos cada vez mais oportunidades e ocupações de espaços. Cobrar pela efetividade de políticas públicas que foquem em um recorte étnico-racial é necessário para o fortalecimento e visibilidade dos nossos povos. 

Lutas constantes são travadas para externar nossas próprias narrativas. Seguimos incomodando para sairmos da margem subalternizada que os brancos insistem em nos deixar.

 

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