Andreia Braz

18/01/2022 09h20

 

Louvor de Nelson Patriota – Parte II

O Dia do Revisor de Textos será sempre um dia para lembrar de Nelson Patriota, do profissional ético, responsável e erudito que me ensinou muito e me fez sentir mais segura e autônoma no início de minha jornada como revisora, quando cheguei na Editora da UFRN, em 2009, ainda como estagiária, onde também recebi preciosas orientações de Wildson Confessor e Risoleide Rosa. Um mestre sempre disposto a ensinar e aprender e uma pupila atenta às suas lições, assim poderia resumir nossa parceria que resultou na revisão de quase duas dezenas de livros, revistas etc. 

Não conheci ninguém mais apaixonado e comprometido com as questões da linguagem do que ele. Um profissional que tinha um constante zelo com a língua portuguesa. Era comovente sua relação de amor com as palavras. Nelson era muito apaixonado pelo que fazia e isso me inspirava tanto! Seu rigor metodológico e seu compromisso com o texto me mostravam o quanto eu precisava estudar para ser uma profissional competente. Ele sempre será minha maior referência quando o assunto for revisão de textos. Poliglota, além da revisão, traduzia textos para o inglês, espanhol, francês e alemão. Múltiplo, era também sociólogo, jornalista, escritor e crítico literário. 

Outra lição importante que ele me ensinou: além da técnica e dos conhecimentos imprescindíveis de gramática, o revisor tem de ser um leitor e, principalmente, ter sensibilidade para considerar as peculiaridades de cada texto, sempre respeitando o gênero textual, o estilo do autor e os limites da intervenção. É claro que às vezes eu “desobedecia” um pouco suas orientações e de certo modo ia criando meu próprio estilo de revisar. Acho que, em certa medida, essa teimosia/transgressão é algo positivo. 

Sendo assim, não posso dizer que aquela lembrança, que me assaltou numa manhã de domingo, enquanto eu me preparava para começar a trabalhar, foi uma lembrança de todo triste. Foi melancólico saber que não poderia lhe escrever um e-mail parabenizando-o pelo seu dia ou que não poderia partilhar com ele as alegrias e os desafios dos novos trabalhos que estou revisando, mas ao mesmo tempo me senti feliz ao lembrar de tudo de que vivenciamos e do muito que ele me ensinou, principalmente. É estranho não lhe escrever para tirar dúvidas e/ou discutir certas questões de trabalho. Ainda é difícil acreditar que ele partiu. No entanto, apesar daquela estranheza, logo fui tomada por uma sensação de paz. Nelson está comigo todos os dias e sempre estará. Afinal, “o que a memória ama fica eterno”, como nos ensina Rubem Alves.

E quantas vezes não conversamos sobre os percalços dessa profissão apaixonante, mas também desafiadora sob muitos aspectos. Quando nos queixávamos dos trabalhos complexos que chegam em cima da hora, ele sempre dizia: “as pessoas passam anos escrevendo um livro e querem que a gente o revise em poucos dias”. E quantos livros não revisamos juntos! Foi assim com o romance de Fátima Medeiros, Sertão de bem-querer e desamor, cujo prefácio foi assinado por ele. Eu o convidei para dividir comigo esse trabalho por saber que sua análise do ponto de vista literário seria de grande valor para o livro de estreia da professora aposentada que agora escreve suas memórias. Lembro que ele deu três opções de título para a obra, que foi chancelada pela Offset, sob a batuta do experiente e sensível editor Ivan Júnior. Aliás, Nelson era ótimo em fazer isso. O mesmo aconteceu com o livro de Dorinha Costa, Viajando com o inesperado, em que a autora brinda o leitor com suas experiências inusitadas de viagens pelo mundo. Nesse caso, o convite para dividirmos a revisão foi dele. Também editado pela Offset, o livro foi lançado no Solar Bela Vista, em comemoração aos 80 anos da autora. Uma noite memorável com direito a esquetes de algumas histórias narradas no livro. Uma noite regada a vinho e saborosos quitutes. Também o convidei para revisar a segunda edição de Francisca, o romance histórico de Ana Cláudia Trigueiro inspirado em sua avó paterna e chancelado pela CJA. Ele também assina o prefácio. A narrativa entremeia fatos históricos à vida da protagonista. Um livro arrebatador. Que saudade das nossas parcerias revisórias, meu amigo!

Nunca é demais ressaltar sua atuação como revisor e editor, sua importância para a literatura do RN e sua preocupação em reeditar certos autores, como o fez com Luís Patriota, seu amado pai, músico e poeta que exaltou as belezas da Praia de Touros, seu lugar de origem, e deixou duas obras fundamentais: Livro d’alma (1922) e Poema das Jangadas: versos (1936); Bôsco Lopes; Edgar Barbosa; Américo de Oliveira Costa; Luís Carlos Guimarães; livros em que atuou como editor, organizador e/ou revisor, sempre contribuindo com a fortuna crítica dessas publicações. Tive a honra de trabalhar com ele na revisão de alguns desses livros, o melhor laboratório que poderia ter.

Seu amigo e confrade da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Manoel Onofre Jr., assim o definiu: “Como humanista e artista da palavra, mostrava-se avesso ao que o grande Mário de Andrade denominou ‘limitação causada pelo conhecimento técnico’”. A declaração consta do texto intitulado “Nelson Patriota: um amigo dos livros”, adaptado do Discurso de saudação a Nelson Patriota quando de sua posse na cadeira nº 8 da ANRL e publicado no blog Papo Cultura. O autor de Chão dos Simples e de Ficcionistas Potiguares assim conclui o texto: “Considero-o, dentre os escritores potiguares, a mais perfeita encarnação do intelectual, do scholar, do bibliófilo, tomada esta palavra não no sentido de colecionador, mas, sim, de amigo dos livros”. 

Afinal, sua atividade de crítico literário não pode ser esquecida. Seu livro Uns Potiguares (Sarau das Letras, 2012), é uma pequena mostra de sua intensa e constante produção e reúne nada menos que 80 artigos publicados entre 2008 e 2011 na Tribuna do Norte e no Substantivo Plural. “Eu procuro os livros, vou ao encontro deles. Nesse ponto, a crítica é um trabalho de liberdade, onde busco aqueles que me interessam por alguma razão, seja pelo estilo, pela relação com o autor, ou pelo simples fato de folhear”, disse em entrevista à Tribuna do Norte, por ocasião do lançamento da obra. “A crítica exige uma leitura mais focada para extrair o que dizem as entrelinhas”, arremata. 

 

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