Eliade Pimentel

04/04/2022 09h41
 
Comer e dormir, a difícil arte de conjugar esses verbos corretamente
 
Tenho dificuldade de programar o que vou comer porque nem sempre tenho a mesma fome, à mesma hora do dia. Isso tem sido um verdadeiro problema. Conversando com minha filha, ela questiona por que devemos comer e dormir. Não necessariamente nesta ordem. Realmente, às vezes tudo isso é um tanto quanto paradoxal para mim. Comer e dormir, na lógica fisiológica, é para nos mantermos com vida. Saudáveis, de preferência.
 
Quando tenho fome de pão, acabo comprando a mais do que deveria. Tenho vergonha de colocar apenas um ou dois no saco. Fica a sobra no forninho, onde escondo por conta dos meus bichanos. Às vezes esqueço na geladeira, mas leio alguma reportagem que desaconselha refrigerar certos alimentos. Nessa lista, figuram o alho, a cebola, o tomate e o pão. Por falar nisso, corto um ou dois tomates, pedaço de cebola, uns galhos de coentro, faço uma vinagrete. Mas, esqueço de fazer uma torrada. 
 
Quanta multiplicação em uma quantidade ínfima de ingredientes. Um quilo de arroz dura mais de um mês em minha despensa. Faço uma pequena quantidade que ainda sobra bastante. Não tenho ânimo para fazer bolinhos de arroz, a coisa desanda e se perde. Uma batata doce rende para duas pessoas. Apenas eu vou comer. Não sei se o inhame congela. Enquanto isso, a escassez de alimentos ameaça o mundo. Pessoas reviram o lixo em busca de algo para saciar a fome. 
 
Pergunto-me por que comer virou um ato de consumismo. Por que não somos programados para comer o que temos disponível. Por que não comemos apenas o necessário, o suficiente para mantermos nosso corpo em forma, no peso ideal, sem sobras e sem nos faltar a energia vital. A todo instante, nos deparamos com imagens que seduzem e induzem o paladar a agir por si. 
 
Ao mesmo tempo, penso, dormir não é simplesmente parar o corpo e a mente para descansar. Dormir exige um pouco mais. O ato de dormir bem nem sempre exige só uma cama confortável. Tem pessoas que fazem um verdadeiro ritual. De novo, questiono. Por que não consigo simplesmente dormir e relaxar. Sim, eu consigo, mas não com o tempo hábil para o horário em que preciso estar plena no dia seguinte.
 
Assistindo a uma série em que a personagem se autoproclama impostora, eu me pergunto. Será isso? Será que não consigo ser tão obstinada quanto deveria? Será que me cobro além do normal? No mesmo dia em que acabo passando horas e horas diante do computador, olho as coisas por fazer ao meu redor, a chuva interrompe meus anseios, disfarça minha culpa e cá estou eu a pensar novamente. Não fiz a caminhada tão logo acordei.  Estava ansiosa, com vontade de começar bem a semana e deixei para depois o que eu poderia ter feito logo ao amanhecer. 
 
Eu sei mais ou menos o que eu quero. Só não sei cumprir tabelas. Aliás, muito menos fazê-las. Enquanto isso, rabisco listas infindáveis. O papel me salva. Assim, procuro mais uma vez, pela enésima tentativa, organizar minha vida. Anotei mentalmente dessa vez a nova receita de um bolo de banana. Com farinha de castanha de caju, um tico de manteiga da terra, açúcar mascavo e ovos, eu previ a fome de amanhã. Espero que ela corresponda ao meu lanche programado.

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