Andreia Braz

03/05/2022 11h35

 

Um tributo a Sérgio Sampaio

 
 
E eu, simples cantor solitário
Entre malandros e otários
Vivo o que sou, ninguém vive por mim
 
                                    Sérgio Sampaio
 
 
É mesmo inexplicável a relação que estabelecemos com alguns artistas. É uma relação que envolve admiração, afeto, cumplicidade, angústia, entusiasmo, indignação. Às vezes, temos a impressão de estarmos diante de um velho amigo, tamanha a identificação com determinadas letras, como é o caso dos músicos, por exemplo. E foi exatamente essa a sensação que tive ao assistir o Tributo a Sérgio Sampaio, realizado no Teatro Riachuelo no último dia 21. O show, com entrada gratuita, foi patrocinado pela Prefeitura de Natal. Quando escutei a primeira música, é como se eu já conhecesse aquelas canções densas, cortantes, líricas e pungentes de Sérgio Sampaio. O tom melancólico do artista é uma marca registrada de suas canções.  
 
A festa foi comandada pelo cantor, compositor e instrumentista Yran Barreto, idealizador do projeto Semana do Sampaio, festival de artes integradas produzido por Jamilly Mendonça, e contou com a luxuosa participação de Zeca Baleiro, fã inveterado do capixaba de Cachoeiro de Itapemirim que ficou conhecido com a marcha-rancho “Eu quero é botar meu bloco na rua”, apresentada inicialmente no IV Festival Internacional da Canção. O compacto com a música vendeu cerca de 500 mil cópias. Aliás, Zeca Baleiro foi quem produziu o álbum póstumo de Sampaio, o disco “Cruel”, lançado em 2006. Sérgio Sampaio estava organizando o quarto disco quando partiu, em 1994. 
 
Foi uma sensação incrível ver o teatro lotado para prestigiar um artista do nosso estado, pois sabemos que não é nada fácil ser artista nas terras de Poti, ainda mais em tempos de pandemia, sendo essa uma das classes que mais sofreu com a paralisação das atividades. Poucas vezes vi uma cena daquelas em Natal e fiquei emocionada ao saber que todo aquele povo estava reunido ali para assistir ao show de um grande artista potiguar. Foi um show intimista, profundo, denso, poético. Com a Semana do Sampaio, realizada há sete anos, Yran Barreto tem dividido com o público sua admiração pela obra de Sérgio Sampaio e as canções do artista que recebeu a pecha de maldito, rebelde, incompreensível; um artista que não se curvava a certas regras do mercado musical e abominava a autopromoção. 
 
João Sampaio, produtor, filho de Sérgio Sampaio, considera Yran Barreto “um compositor maiúsculo, um artista singular, um grande intérprete da obra do Sampaio. Me chamou muita atenção a sensibilidade dele como artista, a voz doce e penetrante”. Ele conheceu o trabalho de Yran em 2014, através da internet, quando recebeu um vídeo com a interpretação de uma de suas canções prediletas, “Nem assim”. 
 
As composições de Sampaio passeiam por diversos estilos musicais, samba e choro, rock, blues e balada, e Yran parece muito à vontade ao interpretá-las. Acompanhado de seus violões e do amigo Zeca Baleiro, Yran presenteou os fãs de Sérgio Sampaio com um show inesquecível. É tão impressionante a sintonia dele com o artista que até fisicamente eles se parecem. O rosto magro e o cabelo ondulado de Yran o aproximam ainda mais de Sérgio Sampaio. Ambos têm o mesmo olhar enigmático.
 
Sérgio Natureza, amigo e parceiro do músico capixaba, resume a importância de Sérgio Sampaio para a música popular brasileira: “indubitavelmente um artista único, melodista, poeta e intérprete de qualidades raras e grandes tiradas, de originalidade e talento que sobressaem a cada nova audição, cada canção registrada, cada composição gravada”. O depoimento é parte de uma entrevista concedida ao Estadão, em 2000.
 
Uma das partes emocionantes do show foi quando os artistas resolveram contar o início da relação com o homenageado da noite, que faria 75 anos no dia 13 de abril. A admiração de Zeca Baleiro por Sérgio Sampaio é coisa antiga. Em 1989, durante um show no Rio de Janeiro, ele teve a oportunidade de conhecer o ídolo e aproveitou o encontro para dizer o quanto apreciava seu trabalho e destacou o desejo de entrevistá-lo. Nessa época, Zeca Baleiro editava a revista Umdergrau, no Maranhão, e, acompanhado de quatro amigos, tomou uma cerveja com Sérgio Sampaio. As perguntas foram enviadas algum tempo depois, mas ele demorou tanto a enviar as respostas que a revista acabou sendo publicada sem a tal entrevista. Em compensação, Zeca Baleiro teria uma grande surpresa. Na mesma fita que continha as respostas à entrevista, havia também a canção “Maiúsculo”, que seria incluída no disco póstumo de Sampaio. 
 
O encontro de Yran Barreto com a obra de Sérgio Sampaio aconteceu de uma forma inusitada. Ao mostrar algumas composições ao amigo e ex-professor de História Giancarlo Vieira, este ficou impressionado com a qualidade do trabalho e a proximidade com a obra de Sampaio, disse que ele estava bebendo na fonte de um grande artista... Yran Barreto nunca tinha ouvido falar em Sérgio Sampaio. Desde então, as canções do músico capixaba que sonhava ter uma canção gravada pelo conterrâneo Roberto Carlos estão impregnadas em sua alma. Bendito encontro aquele com o professor Giancarlo. Gian também foi meu professor de Sociologia no Cefet. Suas aulas eram sempre muito estimulantes. Vocalista da banda Os Grogs, cativava os alunos também com sua arte e sua devoção aos Beatles. Saudades dos shows dos Grogs e dos amigos do Cefet.
 
Não vejo a hora de sentar com os amigos pra falar do show. Queria ter feito isso quando saímos do teatro, mas acabou não dando certo. Desencontros. Pra variar, não vi a chamada do meu amigo Saul Oliveira após o evento e acabei não o encontrando para um lanche e um bate-papo pós-evento, como sempre fazemos. Não faltarão oportunidades para falar da obra de Sérgio Sampaio e do importante trabalho de artistas como Yran Barreto e Zeca Baleiro, que aliás têm produzido muita coisa juntos. Eles até cantaram duas das canções que fizeram em parceria, uma delas foi “Mares Meus”. 
 
Na saída do teatro, uma rápida conversa com Sérgio Fraga encheu meu coração de alegria/emoção. Fã de Sérgio Sampaio que sempre sonhou em ver um show do ídolo, ele tem todos os seus discos do artista e não escondeu a emoção de conhecer o trabalho de Yran Barreto e de ter se sentido tão próximo de Sérgio Sampaio naquela noite de homenagens. 
 
Sérgio Sampaio esteve em Natal entre 1991 e 1992 e por aqui fez alguns shows. O poeta e compositor Antonio Ronaldo foi um dos amigos que teve o privilégio de recebê-lo em sua casa, em 1992. Espero ter a oportunidade de conversar com ele algum dia e conhecer um pouco mais da trajetória de um artista plural que não queria ser conhecido/rotulado como compositor de uma música só. Afinal, Sérgio Sampaio é minha nova paixão musical. Sou a mais nova integrante do clube dos “sampaiófilos”.
 
Voltemos ao deslumbramento com o show. O encanto de Lucinha e Ceiça Fraga, irmãs de Sérgio, com a arte de Yran Barreto foi algo que também marcou aquela noite. Fomos todos juntos ao evento, que ainda contou a presença de Sophia Fraga, sobrinha deles, e George Santos, esposo de Lúcia Fraga. Minha amiga Clara Medeiros também estava no grupo. Uma noite de muitos encontros. Uma noite de muitas alegrias. 
Das outras alegrias da noite... encontrar os amigos na porta do teatro e poder abraçá-los depois de dois anos sem ver a maioria deles. Outros amigos que prestigiaram o show e encontrei na saída do teatro: Adaécio Lopes, Dino França, Socorro Dantas, Aldo Lopes, Suély Souza, Maria José Cristino e seus filhos Viviane e Marcos Vinicius, Nara Costa. Alguns eu soube que estavam lá pelo Instagram: Jeanne Araújo, Rhayara Lira. 
 
Senti falta de encontrar dois amigos, especialmente, Raul Costa e Saul Oliveira. Funcionário público federal, músico e poeta gaúcho recém-chegado ao RN, Raul está aproveitando ao máximo as praias e os eventos culturais da cidade. Já conhece o Samba do Beco da Lama, as praias de Pirangi, dos Artistas, Ponta Negra. Está cada dia mais apaixonado pela cidade. Isso é porque ainda não conhece o Seridó, dizem alguns. Já falei que quero participar desse momento junto ao nosso amigo Saul. Quem sabe um dia, o apresento minha cidade de origem e o famoso Festival de Inverno de Garanhuns.
 
Quero finalizar a coluna de hoje ressaltando a alegria de ter participado do tributo e a oportunidade de conhecer um pouco da obra de Sérgio Sampaio. Antes de saber do evento, eu não conhecia nada além da única canção famosa dele. Aliás, escrevi esta crônica ao som de Sérgio Sampaio. A ideia agora é assistir algumas entrevistas/shows dele disponíveis no youtube e depois ler sua biografa, “Eu quero é botar meu bloco na rua: a biografia de Sérgio Sampaio”, de Rodrigo Moreira. A obra,  lançada pela Muirakitã, está em sua terceira edição e traz novos depoimentos de amigos de diversas fases da vida de Sampaio, o artista rebelde que nos convida botar o bloco na rua com sua obra necessária e atemporal. Um compositor brilhante e menos conhecido do que mereceria, como disse ressalta Zeca Baleiro em entrevista. Um artista que “fez do ato de compor e cantar sua própria razão de ser”, como lembra seu biógrafo Rodrigo Moreira. Viva Sérgio Sampaio!
 

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