Daniel Costa

05/06/2022 00h47

 

A ROSA E O MAR
 
 
Ontem perdi uma pessoa amada, minha avó, também carinhosamente conhecida pelos seus netos como vovó Vita. Não sou muito de me expor.  Mas como não consigo expressar de outra forma a dor que eu sinto, resolvi escrever algumas palavras. Os fragmentos que recolhi da minha ruína, como diria T. S. Eliot.
 
Vovó, antes de qualquer coisa, agradeço por tudo. Você sempre transmitiu uma força sem igual, um amor sincero e carinhoso. Sou muito grato. Grato pela participação na minha educação, pelos conselhos e ensinamentos. Hoje, eu posso afirmar que sou o que sou também graças a você, minha segunda mãe.
 
Quando criança me protegi nos seus abraços e depois que cresci passei a admirar o seu jeito de ser: honesta, organizada, inteligente, de palavras sempre sinceras e sábias. Uma mulher do seu tempo e senhora do seu destino. Teimosa, de pulso firme, mas sobretudo amorosa.
 
Nesta última semana passei a noite no hospital. E ao sair, no dia seguinte, senti que ali foi a nossa despedida. Confesso que fui com certo receio, medo mesmo de fraquejar. É que é sempre difícil olhar para a pessoa que amamos quando ela está prestes a partir. A sensação de impotência é esmagadora.
 
Mas ao entrar no quarto tive a impressão de que eu já era esperado. Fui recebido com sua rouca e delicada voz. E isso se mostrou suficiente para que me sentisse envolto em largos lençóis de afeto. Fiquei a noite inteira ao seu lado, acordado, respondendo a perguntas, às vezes só ouvindo, pensando no passado e no futuro, no dia em que fomos comprar minha primeira gravata, das noites na fazenda, quando você descortinava as varandas da rede para ver como eu dormia, da cadeira de balanço, da máquina de costurar e de como será sem você aqui por perto. E foi assim até o amanhecer.
 
Nos momentos mais agitados segurei suas mãos e a tranquilizei. Mesmo nessa infausta noite ainda conseguimos conversar. Você me perguntou sobre a casa da rua, sobre papai e sobre tio Costa. Também falou do canto dos pássaros, das flores do umbuzeiro, e sorriu. Não sei se foi só delírio ou se era mesmo lucidez, mas teve um momento em que me chamou, olhou bem nos meus olhos, agradeceu por tudo, e pediu para que eu fosse “fazer minhas coisas”. E eu fui.
 
Não irei mais me alongar.  Mas deixo aqui registrada a lembrança das suas duas paixões:  as rosas e o mar. E é isso que ficará para sempre marcado na minha memória, porque é isso que você sempre foi e será para o todo eterno: uma rosa de alegria e um mar de amor.

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