Fábio de Oliveira

06/06/2022 09h37

 

Espaço para diversidades não é assistencialismo

 

No último fim de semana do mês de maio retornei com outro olhar, depois de alguns anos, às terras de São Miguel do Gostoso/RN. Eu e minha companheira e intelectual Ana Paula Campos participamos de um festival literário, a convite da parente Eva Potiguara, para partilhar conhecimentos, lutas, retomadas e percepções dos nossos povos por meio de diálogos. Mas logo de cara, na entrada de um dos locais que ocorreu o evento, uma narrativa colonial e genocida dá-nos as boas vindas. Subliminarmente, isso já me sugere como será o evento.

Em uma das paredes do espaço havia várias fotografias (das quais acredito ser em tamanho 30x90cm) de cenas da chegada de alguns pseudointelectuais na praia do Marco pela década de 1920. Tal visita teve como objetivo analisar e tecer hipóteses da invasão ocorrida desde então, com o referido objeto cravado nas terras da Pindorama, alimentando, a partir de falácias e invisibilidade dos nossos povos indígenas na região, a estória de que fomos descobertos.

Fora dali, em outros locais – na mesma avenida principal da cidade –, vi alguns desenhos do marco em placas de estabelecimentos. Então, ficou fácil compreender a idolatria, orgulho e defesa dessa narrativa, que acaba conflitando-se com outras, sobre o tal do descobrimento ter sido em nossas terras ou em Porto Seguro/BA. O que se notou foram aspectos híbridos de interesses turístico e político em fomentar esse discurso.

Antes de São Miguel do Gostoso ser cheia de pousadas bem arquitetadas para atender demandas do turismo e encabeçar avaliações em plataformas de hospedagens, essa área também foi ocupada por nós, povos indígenas, que resistimos nas primeiras tentativas de invasão a Pindorama. Mas essa história segue invisibilizada no local. Essa omissão não deixa de ser mais uma prática de genocídio aos nossos povos cuja parte da população nega suas raízes entrelaçadas por subjetividades, histórias e memórias por não desejarem se associar ao estereótipo disseminado dos povos indígenas.

Ainda neste mesmo cenário, sem perder as observações racistas atemporais por outros ângulos e movimentos, a “diversidade” que o evento utilizou em seu subtítulo está mais para uma cota étnico-racial, como se fosse um assistencialismo. Aquelas cotas que servem apenas para dizer que não é racista! Isso ficou nítido pela ausência de outras pessoas racializadas no local e de pessoas dispostas a nos ouvir.

São mecanismos atualizados para nos subalternizar não somente no meio literário. Venho percebendo essa mesma narrativa colonial em outros eixos artísticos e culturais da sociedade. A branquitude acha que controlará o passado, e engana-se ao pensar que poderá controlar o futuro. Nossos povos estão se situando e se mobilizando para sair das margens que o racismo estrutural nos jogaram.

 

 


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