Bia Crispim

24/06/2022 08h40

 

“O TODO SEM A PARTE NÃO É TODO”

 

É com esse pequeno texto postado essa semana no feed dos perfis de Instagram @luiz1 e @barbiefascis que começo a coluna de hoje: “Pessoas LGBTs não crescem sendo elas mesmas. Crescem sacrificando e limitando suas espontaneidades pra minimizar humilhações e preconceitos. Nosso maior desafio da vida adulta é escolher quais partes de nós são o que somos de verdade e quais criamos pra nos proteger do mundo”
 
Além desse post, o vídeo “Minha experiência com a cura gay” produzido por @vitordicastro e uma animação com o tema “Embrace the diference. Embrace the similarity. Embrace with pride.” (Abrace a diferença. Abrace a semelhança. Abrace com orgulho – em tradução livre) disponível no perfil @infosys em que uma criança vai crescendo tendo seu coração “arco-íris” sendo apagado e substituído por um azul, mexeram muito, muitíssimo comigo. Então resolvi compartilhar essas coisas com vocês, inclusive os gatilhos que se dispararam.
 
Nós, pessoas LGBTQIAPN+, não crescemos sendo nós como deveríamos ser. Somos podadas, castradas, vigiadas e punidas logo apareçam os primeiros “sintomas” de nossas “anormalidades”. Se um menino quer vestir rosa, brincar de boneca e fazer uma coreografia, no mínimo ele será repreendido, chamado atenção, ensinado que ele não pode fazer isso ou aquilo e se ele insistir, levará uma surra, será afastado das outras crianças, terminantemente proibido de ter contato com a coitada da boneca que só queria ser vestida, amamentada e ninada.
 
Crianças viadas, meninas moleques, crianças trans ou não-binárias desenvolvem-se, geralmente, em um ambientes recheados de hostilidades, proibições, apagamentos, violências e imposições. São impedidas de se desenvolverem naturalmente como qualquer criança cisheteronormativa. São “orientadas” a não serem “erradas”, “pecadoras”, “indignas”, “vergonhosas”, “aberrações”. Tem pai que prefere um filho morto, a um filho gay... Há pais que matam seus filhos dessa forma: rejeitando, impedindo, moldando, castrando, proibindo, acusando...
 
Desenvolvemo-nos cheias de culpa, nós, pessoas LGBTQIAPN+. Culpa de não sermos o que os outros esperavam que nós fôssemos; culpa de sermos do jeito que somos; culpa por não nos aceitarem, por nos violarem, por nos excluírem; culpa por nos apontarem na rua, por rirem de nós; carregamos uma culpa impregnada de “infernos”, “castigos”, e “sofrimentos eternos”; culpa porque “escolhemos essa vida” (Opa! Quem escolhe uma vida assim em sã consciência?!)
 
Durante muito tempo de nossas vidas, nossos corações “arco-íris” são compulsoriamente substituídos por “azuis e/ou rosas” e seguimos esse monobloco de cores a mando de uma sociedade que insiste em dizer que nascemos com uma espécie de manual de instrução de comportamentos e gostos, de interesses e gestos, de impulsos e performances anexado as nossas genitálias desde que o “chá-revelação” revela quem somos. (O que tanto uma genitália revela sobre nós?!) Nem precisamos nascer para que o mundo diga como quer que sejamos.
 
Levam-nos para terapias, chama-nos de doentes, dizem que “tudo não passa de uma fase”, que é “modinha”, que “quer chamar atenção”, ou o mais descabido dos comentários: que “não sabemos quem somos”. Na verdade, quem não sabe quem somos são vocês que acham que sabem quem são porque alguém disse o que vocês eram e, acomodados e confortáveis sob a ordem imposta, nunca se questionaram quem realmente são. Nós nos questionamos, questionamos vocês, questionamos quem nos disse que tínhamos que ser assim ou assado segundo sua vontade e ordem.
 
Crianças viadas, meninas moleques, crianças trans ou não-binárias precisam desenvolver-se de maneira completa, natural e saudável como assim ocorre (ou deveria ocorrer) com toda criança cisheteronormativa. É nosso direito existir sem podas, sem culpas, sem preconceitos. Sem olhares inquisidores, proibitivos e castradores. Não podemos nos desenvolver tendo partes nossa arrancadas, podadas, esmigalhadas. Deixem que todas as nossas partes possam vir à tona, para que sejamos por inteiro. Diz o verso do poeta Gregório de Matos que “O todo sem a parte não é todo”. E eis uma verdade. Sobretudo para nós, pessoas LGBTQIAP+.
 
Não podemos nos desenvolver de forma plena se somos condenadas ao “inferno”, ao preconceito e/ou à exclusão. Não podemos ser crianças e/ou adolescentes felizes sem podermos viver o que nos é próprio. Respeitem nossas vivências e experiências de vida. Deixem que nossos corações “arco-íris” rebentem o firmamento com harmonia e beleza, beleza essa que só se alcança com o todo, com a combinação das diferentes cores, todas as partes juntas.

 

 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).