Eliade Pimentel

04/07/2022 12h47

 

Casa, comida, internet e “Netflix”
 
Era sexta-feira à noite e eu estava em casa, sozinha. Sem achar o fim da picada, só lamentei um pouco a situação. Pois quisera estar acompanhada do meu preto, ausência sobre a qual houve explicações plausíveis e aceitas. De modo que decidi baixar a guarda, “curtindo” do jeito que dava, pois a solidão na verdade passou a ter conotação de solitude – ou seja, não era um problema. A não ser a dor lombar que me aflige faz uns dias. 
 
Trabalhando exaustivamente há uns meses, sento-me diante do notebook e saio muitas horas depois, deixando de caminhar, de me exercitar, parece que me corpo só responde à posição em que permaneço sentada. Quando me vejo livre de escrever ou fazer outras atividades que requerem minha dedicação à máquina, tento fazer qualquer outra coisa e não tenho menor força. A dor lombar volta e meia me faz lembrar que minha coluna precisa de pausa. 
 
Jogar roupas na máquina e cozinhar algo rapidamente são exceções. No mais, vejo mudas de babosa pedindo transplante, vejo roupas finas precisando de uma lavagem delicada à mão, vejo até mesmo o lixo se acumulando, e nada dessa mulher reagir ao caos se formando ao seu redor. Os cinco dias de trabalho intensivo, em que caminhei o dia inteiro resolvendo inúmeras situações, ainda resvalam sobre minha frágil condição física, com direito a um quadril e uma lombar atingidos pela descalcificação, consequência de anos tomando corticóides. 
 
Sem ninguém para me auxiliar ou somente fazer companhia, resolvi que o melhor era comer, me deitar e ver séries e comédias românticas pela Netflix, aproveitando a assinatura que minha irmã me emprestou. Começou a chover e foi quando caiu a ficha de compreender a solitude, e não solidão. A noite parecia que não teria fim. Mas, eu estava em casa, com comida, internet e, de quebra, com acesso a uma lista gigante de filmes e séries para me distrair. 
 
Exatamente nesta noite a dor piorou. Resistindo até então à medicina convencional, e principalmente à automedicação, uma das primeiras providências pela manhã foi me dirigir à farmácia. Tomei uma bomba de anti-inflamatório e tentei relaxar.
 
Melhorou quase nada. Enfim. Novamente, a noite chega e estou na mesma situação. Sozinha, sem maiores obrigações, a não ser as domésticas, e eu sem poder fazer nada, então mais uma vez me conformei a ficar como uma enferma. Em cima da cama. 
 
No domingo, a situação começou a ficar um pouco caótica de fato. A água da chuva entrou com terra dentro de casa. Mesmo assim, amanheci com pique de fazer um bolo de cacau prometido para uma moça do bairro. Mantendo o espírito de comunidade que nos uniu no dia anterior, nesse propósito de gerarmos um bolo para ela comemorar seu aniversário. E assim, debaixo de chuva, saí para comprar os insumos que faltaram. Deu certíssimo e, conforme havia prometido, usei produtos da agricultura familiar. Foi um sucesso e ficou uma delícia. 
 
Em nenhum momento me revoltei, pois as maiores dádivas que uma pessoa pode ter na vida são casa, comida e um cantinho para dormir, seja uma cama ou mesmo uma rede. Eu tenho muito mais do que isso. No quintal, me deparei com um chão coalhado de juá, uma frutinha tão rara quanto saborosa. Toda molhada de chuva, eu agradecia às bênçãos da Mãe Terra. 
 
À tarde, para meu domingo ficar melhor ainda, recebi visita de uma amiga, Marcella, que me levou para almoçar no meu restaurante favorito da região, o Mundo Caipira, na Colônia de Pium. E na segunda, meu irmão Eliel apareceu para remover o barro que se acumulou. Estradas interditadas, reuniões canceladas. Só gratidão por permanecer em casa. Ah, só para constar: falo em nome de todo mundo que tem esse combo perfeito e ainda reclama da vida. É privilégio demais.... Se ligue!  
 

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