Bia Crispim

08/07/2022 09h02

 

SOU SUA AMIGA, MAS...
 
 
Esses dias, uma cantora gospel tornou público sua homofobia ao revelar sua recusa em cantar no casamento de um “amigo” gay. Não vou citar nomes pra não dar holofotes pra dita cuja, mas vou trazer o tema pra pauta de hoje, pois acho importante por vários ângulos. Primeiramente para discutirmos sobre essa “amizade”; segundo, para falarmos sobre LGBTfobia disfarçada de discurso religioso; e, terceiro, para apontarmos os verdadeiros culpados dessa história.
 
Comecemos pelo primeiro ponto: Essa história de “Sou sua amiga, mas...” Amigos/as/gues de verdade não tem MAS, não usam PORÉNS, não barganham afeto, carinho, atenção, cumplicidade, companheirismo... Amigos/as/gues de verdade são aliados/as/es, estão de mãos dadas, não fogem do lado de uma pessoa LGBTQIAPN+ quando as pedras são arremessadas. As pessoas amigas são amigas, elas cantam no casamento, ajudam na decoração e na entrega dos convites, brindam e de quebra ainda organizam o after party.
 
As pessoas que são aliadas, amigas, parceiras, não se utilizam de discursos moralistas, acusatórios; não olham pessoas LGBTQIAPN+ de cima de pedestais feitos de discursos condenatórios e preconceituosos. Não vão para um programa de internet pra dizer que recusou cantar no casamento do amigo gay com seu parceiro (futuro marido) gay porque se assim o fizesse, não poderia mais cantar em nome de Jesus. Então, querida, já pode parar. Porque Jesus nenhum discriminou, Jesus nenhum condenou, Jesus nenhum compactou (ou compactua) com sua homofobia. Pare de cantar em nome dele!
 
Entremos aqui no segundo tópico que levantei: os discursos de ódio e preconceito travestidos de discurso religioso. A cantora (que se acha perfeita, imaculada e sem pecado) afirmou categoricamente que ela (já salva por sua perfeição) iria ver a condenação eterna de seu “amigo”; decerto do camarote VIP que ela deve estar pagando ao pastor de sua igreja. Condomínio de luxo com direito a vista panorâmica para o inferno, porque gente de bem como ela quer ver é a desgraça alheia.
 
Usar o discurso religioso como autoproclamador de uma vida correta e sem pecado (a que ele acredita ter), que a mune de um passaporte para o céu, já é, por si só, de uma prepotência fora do normal. Jesus não concordaria com tal prepotência, afinal ele foi humilde. Depois usar o mesmo discurso pra diferenciar, humilhar, diminuir e empurrar os outros inferno abaixo é de uma insanidade bestial. (Ela tem mais do Tinhoso do que do Divino, garanto).
 
Ser prepotente, achar que é melhor que os outros, discriminar, tornar público seus preconceitos contra os outros a torna menos humana, mais canalha, mais escrota, mais impura, mais feia, mais demoníaca que àqueles/as a quem ela julga assim e dispara seu ódio. Porque tudo isso não passa de ódio, de julgamentos, de mediocridade. 
 
Mas de onde surge esse discurso: Dos mal amados, dos mal comidos, dos que não são livres para ser quem são. Daqueles que passaram a vida sendo controlados, sendo guiados, sendo aboiados para um mesmo pasto. Surge da necessidade de controlar, de classificar, de legitimar a existência ou não de pessoas. Surge da precisão de nos encaixotar dentro de um processo massificador, onde a genitália é tomada como indicador de tudo, para tudo. Surge de um sistema patriarcal, misógino, sexista, LGBTfóbico, racista, excludente e desumano.
 
A cantora, coitada, também é vítima dessa lavagem cerebral. Não retiro sua prepotência, sua homofobia, nem sua culpa, de forma alguma. Ela mantém esses discursos sem pestanejar. Mas ela pode/poderia se libertar disso se quiser/quisesse. Aliás, todas as pessoas podem se libertar disso se quiserem. Como? Deixando a vida do outro em paz. 
 
O fato de sermos quem somos, nós LGBTQIAPN+, não influencia na melhoria da qualidade de vida das pessoas de uma maneira geral (melhora nossas existências, nossas autoestimas quando podemos vivê-las), não coloca comida no prato de ninguém, não melhora os sistemas de saúde e educação para a população. Não somos culpadas por nada de menos ou mais grave que afeta o povo. Só queremos existir. 
 
Aí vem uma cantora gospel reproduzindo um discurso de ódio que limita a existência das pessoas de acordo com seus moldes e as condena ao fogo eterno, por conta disso. Tadinha dela que pensa que Jesus está do seu lado munindo-a do poder de decidir quem vive ou não, quem está certo ou não, quem se salva ou não. Coitados/as/es de nós, LGBTQIAPN+, que somos alvo desse discurso e de tudo que ele carrega na prática e na realidade da maioria de nós. Ele nos precariza, nos exclui e nos mata. A cantora nem sabe da dimensão do que perde com essas manifestações nefastas: Além da festa, dos amigos, da imagem de uma pessoa humana e aliada, talvez tenha perdido a misericórdia aos olhos de Jesus; a chance de ter construído um discurso de amor e, quem sabe, de ser bem-vinda no céu.
 
 
 
 

 


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