Maurício Rands é advogado, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford
Votos corretos de Flávio Dino em defesa da Justiça do Trabalho
No último dia 28/2, amplos setores da comunidade jurídica nacional realizaram ato em defesa da competência da Justiça do Trabalho. Mobilizaram-se contra as recentes decisões do STF que têm anulado processos instruídos e julgados pela JT. Processos que reconhecem vínculos de empregos disfarçados de terceirização. Que, depois, de levantar os fatos e as provas de casos concretos, reconhecem a fraude à lei trabalhista diante da caracterização dos elementos dos contratos de emprego: pessoalidade, subordinação, não-eventualidade e onerosidade.
Muitas dessas decisões do STF têm sido tomadas individualmente por ministros que pouco conhecem o direito do trabalho. Decisões que desconsideram os fatos, os documentos, as testemunhas, os depoimentos das partes e demais provas colhidas na instrução dos processos pela JT. Essas decisões dos ministros do STF estão erradas tecnicamente porque a CF não atribuiu competência ao STF para examinar fatos e provas. Exceção, claro, para a competência penal para julgar autoridades com foro privilegiado. As reclamações constitucionais podem ser julgadas pelo STF para preservar sua competência e garantir a autoridades de suas decisões. Uma decisão da JT que reconheça um contrato de emprego disfarçado não está invadindo a competência do STF. O inverso é que é verdadeiro. Nem está desrespeitando a autoridade de sua decisão. Justamente porque a presença dos elementos do contrato de emprego só pode ser aferida através do exame dos fatos e das provas do caso concreto. Algo que é da competência da JT. E não do STF. Esses erros do STF começam a ser evidenciados pela doutrina e por entidades da comunidade jurídica nacional como OAB, associações de juízes, do ministério público, de advogados, institutos e universidades. E, em suas primeiras participações em julgamentos do STF, pelo ministro Flávio Dino.
Uma delas ocorreu na última 6ª feira (15/3), em julgamento em plenário virtual de agravo regimental contra decisão do ministro Alexandre de Moraes que, em reclamação constitucional, anulara decisão do TST reconhecedora de vínculo de emprego de apresentadora de telejornal. O ministro Flávio Dino, em voto divergente, apontou os erros do seu colega Alexandre de Moraes: i) a decisão do TST não afrontou a decisão do STF que permite genericamente a terceirização também em atividades fins (o Tema 725 da Repercussão Geral); e, ii) o STF não pode revolver fatos e provas. Em suas palavras: “Nesse contexto, não diviso a existência de afronta aos precedentes invocados pela parte reclamante, tendo em vista que o Juízo reclamado, mediante exame acurado dos fatos postos em juízo, concluiu pela existência de irregularidades que descaracterizam o ‘contrato de prestação autônoma de serviços’, ao entendimento de que ‘o verdadeiro intuito é o de precarizar a relação de trabalho’. Anoto, por fim, que, para acolher a pretensão do reclamante, seria necessário o revolvimento fático e probatório dos autos de origem, finalidade a que não se destina a estreita via da reclamação constitucional. Ante o exposto, voto pelo provimento do agravo regimental para reformar a decisão monocrática e julgar a reclamação improcedente, de modo a manter a decisão do Tribunal Regional do Trabalho”.
Na mesma sessão virtual, em outra reclamação similar que havia sido provida pela ministra Carmen Lúcia, o ministro Flávio Dino também prolatou voto divergente corrigindo-a: “Não há como se reconhecer presente a estrita aderência entre o ato reclamado e os paradigmas invocados que concluem pela licitude da terceirização, pois a decisão reclamada não versou sobre a terceirização da atividade-fim, mas sim do vínculo trabalhista direto entre as partes, em consequência da verificação da fraude à legislação trabalhista. O agravante expõe que a decisão da Justiça do Trabalho ao reconhecer o vínculo empregatício, fundou-se em premissas fáticas que apontavam para a existência de fraude de ‘pejotização’, com o propósito de desvirtuar a relação de emprego, circunstância que não pode ser revisitada por esta via reclamatória sem que haja o necessário revolvimento fático probatório.”
São por votos como esses que o ministro Flávio Dino, já no início da sua investidura, vai confirmando as expctativas positivas que a sua trajetória de juiz federal, acadêmico, governador, senador e deputado federal despertaram entre os que sabem que um ministro do STF deve ter experiência institucional e saber jurídico para que a corte cumpra o seu papel de guardiã da Constituição. Nesses dois votos divergentes, o ministro Flávio Dino atuou para garantir a competência que o art. 114 da CF asssegura à JT para examinar os fatos, as provas e o direito nos conflitos de trabalho. E, assim, para garantir o papel da JT para realizar os valores de justiça social e redução das desigualdades que constam como objetivos fundamentais da república no art. 3º, III, da CF.
Maurício Rands é advogado, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford
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