Procurador Federal, membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, da União Brasileira de Escritores no Rio Grande do Norte e da Associação Sertão Raiz Seridó.
Quando ouvi, pela primeira vez, o genial músico Rick Wakeman, foi através das ondas poderosas de som vindas de uma das casas da vizinhança, no Barro Vermelho, final dos anos 70. Depois, também por influência do gosto musical dos meus irmãos mais velhos, pedi a outro vizinho, que morava perto do Colégio das Neves, um LP de RW emprestado (a minha memória quer crer que se tratava de “The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of the Round Table”, de 1975), contendo belezas imensas. Já estávamos nos anos 80 e talvez eu estivesse acompanhando a cena do Rock com algum atraso, o que se transformou posteriormente numa dádiva, pois fui em busca de tudo o que não conhecia, até em face da minha pouca idade na época. Esse vizinho de que falo, o que me concedeu o prazer de levar o disco de Wakeman para casa, era uma figura muito especial e dizia repetidamente:
“– Lívio, ouvir Rick Wakeman é exorcizante, exorcizante!”.
E era exatamente o que eu sentia, ao ouvir o vinil numa radiola lá de casa: a limpidez da mensagem sonora e o prazer em me deparar com mitos transformados em música; tudo era, sim, exorcizante. E acalmava o espírito do adolescente que vivia transformações radicais no corpo e na mente.
Faz um bom tempo que não vejo alguns desses antigos vizinhos, mas sempre tenho ouvido a música elevada do tecladista e ícone do Rock Progressivo citado, seja nos vinis, nos CDs, ou em streaming. Aliás, a vida me permitiu, desde o ano de 2024 para cá, duas experiências fantásticas envolvendo a grande arte de Rick Wakeman. A fascinante aventura de 2024 foi ver e ouvir o músico, em carne e osso e notas musicais perfeitas, na cidade de São Paulo, na casa de shows Tokio Marine Hall, em 12 de abril de 2024 (portanto, há praticamente um ano). O senhor Wakeman, vestido formalmente, sem as vestes e os cabelos longos que chamavam atenção nos anos 70, fez um show solo com um piano acústico e um teclado, apresentando diversos sucessos próprios e os de outros grandes artistas da música, como “Space Oddity” e “Life On Mars?” do camaleônico David Bowie, além de “Help!” e “Eleanor Rigby”, dos Beatles. Também não faltariam obras da importantíssima banda de que Rick foi um dos mais decisivos componentes, o Yes. Ao final da apresentação, a plateia de que eu fazia parte vibrou imensamente com alguns trechos de “Viagem ao Centro da Terra” (“Journey to the Centre of the Earth”), obra de 1974, baseada na homônima novela épica do escritor francês Julio Verne.
Há uma semana, na Escola de Música da UFRN, sob a batuta do ousado e muito competente maestro André Muniz, tive uma noite de sábado fascinante, embevecido exatamente com a “Viagem ao Centro da Terra”, obra cuja gravação para disco – que tenho, com orgulho, em minha coleção particular – realizou-se, ao vivo, no Royal Festival Hall, em Londres, no dia 18 de janeiro de 1974.
A sensação é sempre de algo extraordinário, mágico mesmo. A opção de André foi fiel à gravação de 1974, com um coral bem treinado e com vozes que nos levaram ao êxtase, uma banda muito eficaz (destaco o baterista, com a vibe exata da época; e o tecladista, que tecnicamente encarnou o Mago RW) e – é claro – a Orquestra Filarmônica da UFRN num dos seus dias mais vibrantes. A iluminação especial também ajudou no engajamento emocional da plateia numerosa e ansiosa. Tudo podia se resumir a mágicas notas musicais dos instrumentos e das “...vozes, vozes, vozes...”, para lembrar aqui um dos trechos da narração.
Algumas pequenas escolhas diferenciais se deram, quando comparada a apresentação com o original gravado em disco. A uns poucos aspectos trago realce e creio que foram decisivos para o ótimo resultado final, que ainda pode ter alguns aperfeiçoamentos.
Como exemplo, a acertada gravação da voz do narrador (Sávio Araújo), ao invés da presença do mesmo no centro da cena (já lotada, em face das dimensões limitadas do palco da EMUFRN). Algo que também se evidenciou: ao invés de dois vocalistas homens, como ocorreu na gravação original, André Muniz escolheu um homem (Mauro Oruam) e uma mulher (Helena Krause) para os vocais. Não foi qualquer escolha: nem a obra executada e nem os desenhos musicais. Houve muita coragem, também, ao se escolher as vozes. Em algum momento, se o meu senso estético não foge da realidade, acredito que o microfone da jovem, graciosa e muito boa cantora Krause não estava ajustado à sua altura (nos aspectos físico e de tom de voz delicada). Oruam, com voz muito boa e potente, alcançava notas muito altas, mas com uma certa levada influenciada pelo Heavy Metal e não na pegada mais melódica do Rock Progressivo. Como somente vi e ouvi a primeira sessão (das 18h), quero crer que os ajustes foram feitos na sessão das 20h.
De qualquer forma, foi um momento inédito e muito prazeroso em termos de apresentação musical da Orquestra Filarmônica da UFRN (no caso, ampliada com os demais componentes citados. Os aplausos foram demorados e com os assistentes de pé. Vale lembrar expressamente outros ótimos nomes: Paulo Cesar Vitor, Airton Guimarães, Cleber Campos, Marco Antônio Cornejo). Certamente, as apresentações da obra serão repetidas em outros palcos e outras cidades. Por derradeiro, uma observação lateral, mas não menos importante: percebe-se, claramente, que já se faz necessário um auditório maior, com mais espaço e mais adequado para as apresentações na UFRN. Seria muito importante que isso fosse percebido e avaliado, por quem de direito, como essencial e até urgente para a cultura musical no nosso estado. Que as vozes e as ações se multipliquem em torno desse objetivo nobre. E viva a grande arte musical!
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