Arthur Dutra

06/05/2020 00h05
 
A fake news de fogo contra Rui Barbosa
 
Ressurgiu no meio de alguns movimentos de esquerda um velho ataque contra Rui Barbosa: a acusação de que ele mandou queimar os arquivos do período da escravidão, o que dificultou o trabalho de resgate histórico desse tenebroso período da História do Brasil. No limite, acusam-no de ter feito isso para proteger ou esconder a verdade sobre esse período e seus vilões. O ataque teve como alvo a atriz Mariana Ruy Barbosa, tataraneta de Rui, que por esta simples razão genealógica deveria ser “cancelada” pela esquerda nacional. Patético. Por sorte, estou neste momento relendo alguns escritos desse grande brasileiro, e me sinto na obrigação de combater essa indignidade. 
 
Antes, porém, é preciso dizer que Rui cerrou fileiras pelo abolicionismo desde quando era estudante de Direito na Faculdade de Direito do Recife, tendo, inclusive, participado da fundação de uma sociedade abolicionista em 1866 ao lado de pessoas como o poeta Castro Alves, autor de poemas memoráveis contra o flagelo da escravidão. Ok, poderia ser apenas um arroubo de juventude, mas o fato é que por toda a sua vida pública Rui Barbosa defendeu, por anos a fio, com ardor e sacrifício, a causa da libertação dos escravos, seja como jornalista, advogado e político. Fez discursos, escreveu artigos, participou de grupos abolicionistas, enfim, ele deu, como se diz hoje, a cara a tapa em defesa desta causa. Como deputado geral pela Bahia, elaborou, apresentou e relatou projetos de mudança da legislação escravagista no Parlamento brasileiro, e por ter defendido a abolição quando cumpria seus primeiros dois mandatos, não foi reeleito para um terceiro, mas mesmo assim manteve a posição. Seu compromisso com a liberdade, portanto, era inquestionável. 
 
Nota interessante é que, aproveitando uma viagem de D. Pedro II para a Europa, Rui Barbosa teve a oportunidade de pronunciar um discurso direcionado para a Princesa Isabel no Teatro Politeama, no Rio de Janeiro, num comício promovido pela Confederação Abolicionista em 1887. Naquela ocasião, disse Rui para a Princesa Isabel: “[imploro] para os escravos, uma raça inteira, inocente, benemérita, flagiciada, roubada pela conspiração das camarilhas negreiras, um pouco dessa misericórdia insondável, que sobra para espargir sobre malvados impenitentes a bênção do perdão e da liberdade”.
 
Abolida a escravatura em 1888 com a Lei Área, mas muito antes de disso, Rui já era também dos primeiros a se preocupar com a inserção digna do negro na sociedade e na economia brasileira. Nesta batalha, sim, ele sentiu que foi derrotado. Dentre os motivos já conhecidos, também porque, mesmo com a abolição, ainda havia ex-senhores de escravos que pretendiam obter indenizações junto ao erário em razão da libertação de seus escravos, então tratados como propriedade. E é neste ponto onde a acusação desenterrada nestes dias merece ser fulminada. 
 
Em 1890, Rui Barbosa era Ministro da Fazenda da recém fundada República brasileira, que já começava pressionada por tais pedidos indecorosos de indenização e que trariam, certamente, além de vergonha e infâmia sobre a nação, a ruína dos cofres públicos, pois naquele momento vivíamos o Encilhamento, uma das maiores crises financeiras amargadas pelo Brasil. E é justamente neste contexto que, em 14 de dezembro de 1890, Rui Barbosa deu a ordem para queimar os arquivos da escravidão simplesmente para dar fim aos documentos de natureza fiscal que embasavam tais vergonhosos e desumanos pedidos de “ressarcimento”. Aliás, Rui defendia inclusive que os escravos libertos é que deveriam receber uma indenização. É de se dizer, ainda, que Rui assinou a ordem para destruir os documentos, mas quem a executou foi Tristão de Alencar Araripe, seu sucessor no ministério. Infelizmente esta decisão, de fato, dificultou o resgate histórico, mas as razões para fazê-lo são perfeitamente compreensíveis e justas.
 
Esta é a verdade que nunca pode ser sonegada a uma figura da envergadura de Rui Barbosa, que lutou tenazmente para dar fim à chaga vergonhosa da escravidão no Brasil, e que por isso não merece ter seu nome enxovalhado com base em interpretações fajutas e ideologizadas da História.
 

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