Armando Souza

Músico, Empreendedor Cultural, Produtor musical e diretor da Escola Oficina Livre de Música.

22/12/2024 05h28
Árvore de Natal
 
Por Janduhi  Medeiros 
 
No coração do Seridó, onde o calor do sol aquece as artérias do chão e as noites estreladas se tornam um manto de brisas e bênçãos, o Natal chegava com simplicidade e encanto, pulsando os valores históricos e religiosos da cultura sertaneja. O Seridó é sertão; quanto mais sol, mais luz. Ali, na cidade de Ouro Branco, no seio do Seridó, Rio Grande do Norte, no acero da Paraíba, no meu tempo de menino, o Natal transformava-se em uma paisagem sagrada de sonhos. O vento quente trazia o cheiro da terra e o aroma dos resistentes currais, misturado ao som distante dos cantos natalinos ensaiados pelas crianças do grupo escolar e pelo coral da igreja.
 
As ruas estreitas ganhavam vida com a criatividade dos moradores, ampliando o sentimento de pertencimento. Não havia luxo material, nem soberba humana, mas existia a beleza de uma luz cultural intangível: árvores de Natal feitas de galhos secos, decoradas com pequenos tufos de algodão que lembravam neve — uma neve que nunca fora vista naquele rincão, mas imaginada com doçura e leveza. Essas árvores, desprovidas de pisca-piscas artificiais, irradiavam o brilho genuíno da alegria e do sentimento. As pessoas mais humildes penduravam enfeites feitos de caixas de fósforo embrulhadas com restos de papéis coloridos, reluzindo as cores vivas de um artesanato que pulsava a alma da região. O suporte da árvore era uma lata com areia, embrulhada em folhas de jornais velhos, camuflando a ferrugem do resistente flandre.
 
Lembro-me, perfeitamente, de uma dessas árvores que fiz com minha saudosa mãe, nos idos de sessenta. Depois de pronta, ela me olhou, sentou-se pertinho e falou sobre o sentido da vida e do Natal: o nascimento de todos nós, a parteira amiga da família Medeiros, os estudos, os desafios. Sorriu. Foi o Natal que mais marcou minha vida, uma figurinha carimbada no álbum da minha memória.
 
Na frente da igreja, o presépio era a obra-prima da comunidade, a mais visitada. Iluminado por energia humana e pelo orgulho coletivo, sob uma lona surrada, montada com esmero, uma cabana de palha abrigava as figuras feitas de panos de saco moldados por mãos calejadas. Maria e José ganhavam rostos simples e expressões serenas, verdadeiras. O menino Jesus, envolto em pedaços de tecido, repousava sobre uma manjedoura improvisada com um caixote, representando o cotidiano das pessoas pobres da comunidade. Animais feitos de madeira, extraída da própria caatinga, davam vida à cena, enquanto estrelas de papel iluminadas por velas tremeluziam ao redor, como se louvassem o nascimento sagrado.
 
Na noite esperada, a cidade inteira se reunia ao redor do presépio para a missa campal. Homens, mulheres e crianças vestiam suas melhores roupas, muitas delas costuradas especialmente para a ocasião. As vozes se uniam em coro, enchendo o ar de fé e esperança. Após a celebração e a apresentação dos dobrados pela banda musical, as famílias retornavam a seus lares para compartilhar uma ceia simples: fatias de bolo de milho, doces e café. Na maioria das casas, não havia banquetes nem ostentação, mas uma mesa representativa, com uma singela toalha limpa, cheia de amor e união familiar.
 
Ali, no coração do Seridó, onde nasci, o Natal era um renascer de esperança. Era o momento em que o sagrado e o cotidiano se encontravam, em que a fé transformava a escassez em abundância e os sonhos em realidade. Era um Natal de raiz, com cheiro de vida, de juremas e rebanhos — uma mensagem de que a simplicidade do sertão carregava o verdadeiro calor do espírito da celebração humana: a união, o amor e a fé naquilo que nos mantinha vivos.
 
Agora, a cada Natal, lembro-me da parteira Lilita, da casa simples onde nasci, dos familiares e das conversas com minha mãe junto à Árvore de Natal.
 
 
AGENDA CULTURAL
 
22/12 – 19h – Menina Mojubá – Casa da Ribeira/Ribeira;
22/12 – 20h – Cards´bio Musical:Vc escolhe/Barrancas Bar/ìum;
23/12 – 19h15 – Filme: Condenadxs –Cinelândia/Caicó;
25/12 – 20h – Um presente de Natal – Arena das Dunas/Lagoa Seca;
26/12 – 20h – Festival de Cenas Curtas – Casa da Ribeira/Ribeira;
27/12 – 17h – Posse do Conselho Cultural de Parnamirim – SEMUC/Cohabinal;
27/12
 
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